Equipas comunitárias de suporte em cuidados paliativos: heróis invisíveis em Portugal 2478

Cada vez mais, as pessoas com doença crónica, incurável e progressiva preferem ser cuidadas e morrer no domicílio, junto dos familiares próximos e amigos, em vez do hospital [1]. A literatura sugere que, em fase final de vida (que pode durar dias, meses ou anos), o conforto do lar traz bem-estar e melhores resultados para o doente e família (por exemplo, lutos menos pesados) [2]. Na perspetiva do sistema de saúde, esta escolha também tem vantagens já que o acompanhamento paliativo em casa (para alívio da dor) contribui para prevenir internamentos e idas à urgência, e poupar recursos (materiais, humanos, entre outros) [3, 4].

Contudo, devido à perda gradual de autonomia, nem todos os que desejam morrer em casa têm condições para tal. Limitações financeiras, redes de suporte familiar desestruturadas e cuidadores exaustos ou doentes são alguns fatores que podem dificultar uma abordagem eficaz de cuidados paliativos no domicílio. Frequentemente, mesmo quando há uma rede de suporte, é necessário orientar e apoiar os cuidadores de forma a evitar o descontrolo dos sintomas e sofrimento desnecessário (também dos cuidadores), possibilitando que o doente morra com dignidade em casa. Importa, então, avaliar cada situação para encontrar, em conjunto com o doente e família, a solução mais adequada.

No Serviço Nacional de Saúde, este trabalho in loco (isto é, fora do local de trabalho tradicional dos profissionais de saúde) é protagonizado pelas Equipas Comunitárias de Suporte em Cuidados Paliativos (ECSCP). Trata-se de equipas especializadas interdisciplinares constituídas por médicos, enfermeiros, psicólogos, assistentes sociais, entre outros, cuja missão é facilitar a morte digna no domicílio através do alívio da dor – seja ela física, psicológica, emocional ou espiritual. Os profissionais das ECSCP entram no ambiente sincero e íntimo das famílias e estabelecem uma relação próxima com o doente e família, o que lhes permite ter uma visão holística do doente (contexto familiar, psicossocial, etc.) e um conhecimento profundo da comunidade em que este se insere. Ao atuar na base da confiança, as ECSCP capacitam as famílias para enfrentar os desafios inerentes ao fim de vida, gerindo as suas vontades, medos, sentimentos (ex.: tristeza, revolta), esclarecendo as suas dúvidas, ajudando sem impor nas sucessivas decisões, e acompanhando integralmente para um luto sereno, seguro e humanizado.

Deste modo, as ECSCP cultivam nas comunidades processos de superação pessoal já que, frequentemente, os cuidadores começam por se reconhecer incapazes de cuidar, mas com uma comunicação eficaz com os profissionais acabam por cumprir a sua “missão” e cuidar do doente até ao último suspiro. Por vezes, as situações são complexas e envolvem, por exemplo, cuidadores-cônjuges que eram maltratados pelo doente (antes deste perder autonomia) ou filhos que nunca reconheceram o doente como pai (ou mãe) e são confrontados com a realidade de cuidar dele(a). A atividade das ECSCP é, assim, um pilar essencial para mudar mentalidades e construir sociedades mais compassivas [5].

Claro, o seu esforço não é isolado. As ECSCP funcionam em articulação permanente com outros serviços (como Unidades de Saúde Familiar, Unidades de Cuidados Paliativos ou equipas da Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados) e até instituições não diretamente ligadas ao Ministério da Saúde (como lares). É este trabalho conjunto que resulta na redução de mortes hospitalares e consequentes custos para o sistema.

Termino com uma nota acerca da importância das ECSCP no processo de transição para Unidades Locais de Saúde (ULS). A autonomia e humanização esperadas com o modelo das ULS depende fortemente de um conhecimento profundo das comunidades locais e de uma capacidade de articulação entre hospital, centros de saúde e outras entidades locais. É, por isso, fundamental envolver estas equipas atempadamente no processo de universalização do modelo de gestão das ULS, para agilizar respostas eficazes aos desafios que certamente virão. Neste sentido, deixo duas linhas de ação que considero decisivos para a coordenação das ULS trabalhar já com as ECSCP:

  • Definir as melhores estratégias de comunicação entre hospital, centros de saúde e outras entidades locais, com o objetivo de envolver todos como parte ativa da mudança e de identificar os indicadores de qualidade da articulação necessária e desejável;
  • Motivar a liderança das ECSCP para o compromisso com a mudança (criando incentivos para tal) e para potenciar o know-how da sua equipa, por exemplo, através de ações de formação a outros serviços para o desenvolvimento de soluções (ex.: digitais) mais humanizadas e adaptadas tendo em conta o contexto específico das comunidades locais.

Por Carolina Ramos, Doutoranda em Gestão na Nova SBE, Assistente Convidada na Nova SBE e membro do Knowledge Center de Health Economics and Management.

Referências

[1] Gonçalves, T. I. S. R. C. V. (2021). Local de prestação de cuidados: compreender as preferências de doentes acompanhados por uma equipa comunitária de suporte em cuidados paliativos, um estudo de métodos mistos (Doctoral dissertation).

[2] Maetens, A., Beernaert, K., De Schreye, R., Faes, K., Annemans, L., Pardon, K., … & Cohen, J. (2019). Impact of palliative home care support on the quality and costs of care at the end of life: a population-level matched cohort study. BMJ open, 9(1), e025180.

[3] Teixeira, F. M. (2011). Cuidados Paliativos no Domicílio: Poupança ou Desperdício? (Doctoral dissertation, Universidade Catolica Portugesa (Portugal)).

[4] Gonzalez-Jaramillo, V., Fuhrer, V., Gonzalez-Jaramillo, N., Kopp-Heim, D., Eychmüller, S., & Maessen, M. (2021). Impact of home-based palliative care on health care costs and hospital use: a systematic review. Palliative & Supportive Care, 19(4), 474-487.

[5] Kellehear, A. (2015). The Compassionate City Charter: Inviting the cultural and social sectors into end of life care. In Compassionate communities (pp. 76-87). Routledge.

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