Voar sem tirar os pés do chão? 880

A nossa sociedade teve, durante muito tempo, um pensamento centrado num Passado que nos determinava e num Futuro que nos salvaria, mas que não controlávamos. O filho de um traidor carregava para todo o sempre a culpa do seu pai, enquanto um filho de um herói caminhava apoiado numa glória herdada. No entanto, para qualquer um deles, o Presente era apenas um mal necessário; um sítio de passagem para outra vida, onde estaria a verdadeira recompensa.

A Modernidade pode, de algum modo, ser vista como a rutura com esta visão, do mesmo modo que a Pós-Modernidade é definida pelo momento em que o controlo institucional que balizava a emancipação individual desaparece. É a crise dos fundamentos, o declínio dos grandes sistemas de legitimação, nas palavras de Lyotard.

Hoje, vivemos naquilo que Gilles Lipovetsky apelidou de hipermodernidade. Um tempo de radicalização da valorização do indivíduo, do mercado e da ciência. A celebração do prazer aqui e agora, e sempre novo!

Mas se vivemos essencialmente o prazer do momento, como explicar então a avidez do consumo do Passado que torna o “marketing da nostalgia” tão presente? Não seria normal que, numa época em que um presente constantemente renovado parece ser o único futuro, se assistisse a uma desvalorização da memória? Como explicar que, mais do nunca, abundem casos de sucesso com marcas e conceitos ligados ao Passado?

A resposta está no medo do Futuro. É que se é verdade que temos uma sociedade que se alicerça no Presente, não é menos verdade que ela vive o dia de amanhã com uma grande carga de angústia. Basta pensar que, muito provavelmente, nunca como hoje houve tantas pessoas a acreditar que os seus filhos viverão pior do que eles.

É como se tivéssemos consciência que avançamos a uma velocidade tão rápida que os nossos pés se levantaram do chão e perdemos estabilidade; estabilidade essa que esperamos encontrar no Passado.

Dito de outra forma: se estamos numa época em que não sabemos o que nos vai acontecer, nada mais natural do que precisarmos de lembranças afetuosas do Passado.

Afinal, um ato da compra também é um modo de preencher um vácuo que sentimos.

João Barros,

Professor Convidado na Escola Superior de Comunicação Social e Investigador no Centro de Estudos Clássicos da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa

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