Bastonário alerta para mais de 220 escusas de responsabilidade dos farmacêuticos no SNS: “É um grito de desespero” 324

O bastonário da Ordem dos Farmacêuticos, Helder Mota Filipe, concedeu recentemente uma entrevista ao Expresso onde falou sobre os assuntos mais prementes do setor. Desde a reunião com a atual ministra da Saúde (e antiga bastonária da OF), Ana Paula Martins, até à manutenção do que estava já em ação pela Direção-Executiva do SNS.

Sobre a reunião com a tutela, o bastonário revelou que esta teve como “mote um documento que as ordens da Saúde entregaram e serviu para identificar as áreas que mais preocupam e a metodologia de trabalho”. Além de revelar que a ministra se comprometeu a dar uma primeira resposta no espaço de um mês, desvalorizou que exista qualquer vantagem pelo facto de Ana Paula Martins ser farmacêutica. “Não me parece que tenha vantagens e espero que também não tenha inconvenientes”, afirmou.

Sobre as principais preocupações, Helder Mota Filipe destacou que é necessário “compreender o figurino final desta transformação no SNS com a criação universal de unidades locais de saúde e como será garantido o acesso e a qualidade do circuito do medicamento”. Admitindo não conseguir “ver luz ao fundo do túnel”, mostrou-se preocupado com a situação da Direção-Executiva do SNS (DE-SNS), após a saída de Fernando Araújo.

“Estamos a meio de uma transição e a DE-SNS era o gestor e tem de continuar a ser. Ainda no SNS, há a preocupação com os recursos humanos. Os farmacêuticos no SNS não veem a tabela salarial revista desde 1999, estão numa situação vergonhosa. Temos conhecimento de mais de 220 escusas de responsabilidade em 16 hospitais. É um grito de desespero”, alertou.

Questionado se eram necessários mais profissionais ou terapêuticas, explicou que “não há restrições no acesso formal os fármacos”, acrescentando que “para que o doente tenha acesso objetivo ao medicamento é preciso quem o prepare e dispense”. “Há situações em que os doentes esperam mais tempo porque não há capacidade de resposta. Não temos farmacêuticos para acompanhar as novas tecnologias e esses medicamentos estão a entrar, a ser utilizados e precisam desse acompanhamento. Temos cerca de 1000 farmacêuticos e são precisos, pelo menos, mais 300”, explicou.

Helder Mota Filipe não teve problemas em dizer ainda que ainda não viu “abertura nenhuma” para a revisão das carreiras, lembrando que se ouve falar da “renegociação das carreiras e de contratações, mas nunca se vê referência a farmacêuticos”. “Um hospital pode fazer ótimos diagnósticos, mas se não der acesso às terapêuticas em tempo e condições adequadas vão servir de pouco”, frisou.

Falou ainda sobre um plano de novas intervenções para os farmacêuticos comunitários alinhavado pela DE- SNS. Irá manter-se? “Vai e não tenho dúvida absolutamente nenhuma. A ministra deu essa garantia. Há um reconhecimento claro da população em relação à vantagem desses serviços e nenhum político os vai fazer voltar para trás, contra a população”, destacou.

Sobre a intervenção em situações ligeiras, para diminuir a sobrecarga nos cuidados primários e nas urgências, que está inscrita no Orçamento do Estado, o bastonário deu o exemplo das infeções urinárias baixas não complicadas. Isto porque, segundo o responsável, “o farmacêutico garante o acompanhamento do doente e regista a informação no processo clínico, permitindo que o médico saiba desse episódio com o seu doente”. Trouxe ainda à conversa as intervenções a nível do trato respiratório superior, reforçando a ideia com o facto de irem começar testes-piloto.

Foi-lhe colocada então a possibilidade de surgirem críticas por o Estado despender financiamento para os privados fazerem o que o SNS pode fazer. “Se o Estado conseguir demonstrar que consegue fazer o mesmo ao menor preço, em tempo e qualidade, então, não se dá a outros. O que se está a fazer não é tirar de um lado para o outro, mas complementar uma resposta que leva às urgências situações que não carecem de cuidados hospitalares ou aos cuidados primários, sobrecarregando consultas que são para outras necessidades”, disse taxativamente.

Helder Mota Filipe demonstrou ainda “perplexidade” perante o facto de o Governo, mesmo com uma ministra farmacêutica, não fazer qualquer referência ao medicamento. Referiu que já demonstrou essa perplexidade ao ministério da Saúde, lembrando que “no programa tudo o que está é despesa. Não há nada que gere riqueza e é uma falha grave”. “Não se fala em tornar Portugal competitivo em ensaios clínicos ou no desenvolvimento da indústria farmacêutica de ponta. Espero que se note no Programa de Emergência. Temos medicamentos a entrar a três e quatro milhões de euros por doente. A nova realidade está aí, nenhum político pode acordar amanhã. Daí não entender a ignorância sobre a necessidade de farmacêuticos, quando se tem de equacionar a utilização de de medicamentos e de dispositivos de milhões. É fundamental que haja reavaliação dos medicamentos para perceber se continuam a valer o que se paga por eles”, não se coibiu de dizer.

E referiu ainda: “Faltam recursos e uma estrutura para que aconteça de forma mais automatizada, mas vai ter de acontecer. As terapias avançadas vão ser mais comuns, para doenças mais comuns e a manterem-se caras. Temos de estimular os genéricos e os biossimilares. Tenho a secreta esperança de que a ministra da Saúde vai dar um estatuto diferente ao Infarmed que lhe permita ter os recursos e as condições suficientes”.

A mais de meio do mandato como bastonário, Helder Mota Filipe falou sobre o futuro, admitindo “predisposição de concorrer a um segundo mandato”. Dizendo que tem “o programa praticamente cumprido”, lamenta que ainda não haja reconhecimento dos farmacêuticos do SNS, que merecem melhores condições e um “papel mais preventivo”. É apenas isto que “não está feito”.

“Estávamos a discutir com a DE-SNS a intervenção no rastreio do cólon e reto e a identificação de situações compatíveis com a doença mental. Entram meio milhão de pessoas por dia nas farmácias e há um potencial imenso. Muitas vezes, nas conversas tidas na farmácia é possível identificar o sofrimento mental. Queremos mecanismos de marcação de consulta ou de referenciação formal para não deixar a pessoa desamparada, entra e sai da farmácia com uma informação, mas sem ter entrado no sistema e é importante que entre o mais cedo possível”, finalizou.

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