Envolver Pessoas com Doença em Investigação – Mas quem? 1505

Nos dias de hoje, é cada vez mais frequente as entidades financiadoras solicitarem provas do envolvimento de pessoas com doença em projectos de investigação, aquando da avaliação de propostas para financiamento. No entanto, os ingredientes para uma parceria bem-sucedida entre pessoas com doença e investigadores não estão ainda identificados de forma standardizada e sistemática. Diferentes projectos de investigação precisam, naturalmente, de diferentes valências dos seus parceiros, de acordo com o seu contexto, objectivos, e fases de desenvolvimento, e reunir as pessoas e/ou entidades certas revela-se, por vezes, um desafio para algumas colaborações.

O conceito de “pessoa com doença” (ou até mais comummente “doente”) é muitas vezes usado de forma generalizada, imprecisa, não reflectindo os diferentes tipos de contributos e conhecimento que diferentes pessoas com doença poderão demonstrar. No entanto, pode apresentar diferenças conceptuais relevantes que devem ser consideradas com atenção, aquando da escolha sobre quem envolver num projecto de investigação. Representantes de uma comunidade de doentes podem apresentar um conjunto de características e competências diversas que, quando reconhecidas, podem torná-los parceiros valiosos em equipas de investigação e/ou conselhos consultivos científicos.

Outro ponto relevante referido por representantes de associações de doentes mais experientes é que ninguém quer ser envolvido em investigação, pelo simples acto de estar envolvido. Quer-se envolvimento para produzir algo melhor, com benefício claro para as pessoas com doença. Assim, de modo a que este envolvimento seja significativo, sustentável e frutífero, e de forma a evitar envolvimentos superficiais para apenas corresponder a requisitos solicitados pelas entidades financiadoras, será interessante compreender melhor os diferentes perfis existentes numa comunidade de pessoas com doença, que poderá ir desde pessoas com diagnóstico recente, a membros de associações de doentes com formação na área de investigação. Segundo Bettina Ryll, co-fundadora do Melanoma Patient Network Europe, a arte está na selecção (1).

Um exemplo simples: ao desenvolver uma brochura para pessoas com doença, quereremos colaborar com doentes sem qualquer experiência técnica, pois será essencial validar que o conteúdo e apresentação chegará a todos os potenciais leitores de forma simples, clara e concisa. Já na fase de desenho de um estudo e reflexão, por exemplo, das métricas para avaliação da eficácia, será relevante colaborar com representantes de doentes que conheçam bem a heterogeneidade da sua comunidade e compreendam mais aprofundadamente as diferentes fases e necessidades de um projecto de investigação.

Já existem algumas reflexões feitas sobre como categorizar diferentes perfis de pessoas com doença. Bettina Ryll, com base na sua vasta experiência como patient advocate, apresenta um modelo empírico que sugere quatro perfis diferentes de pessoas com doença, de acordo com os seus níveis de experiência pessoal com a doença, perspetiva de grupo e conhecimentos técnicos relativamente ao próprio processo de investigação. Em 2017, Geissler et al. (2) propõe um roteiro para o ciclo de vida de investigação e desenvolvimento de novos medicamentos e terapias e identifica dezasseis oportunidades para o envolvimento das pessoas com doença, divididas em dois níveis de conhecimentos necessários. Em 2018, a European Patients’ Academy (EUPATI) lança o seu Guidance for Patient Involvement in Medicines Research and Development (3), onde clarifica a diversidade de papéis que o termo geral “doente” pode agregar e, em 2021, o Ministério Federal Alemão para a Educação e Investigação propõe um conjunto de princípios para o envolvimento bem-sucedido de pessoas com doença em investigação na área do cancro (4), onde aborda algumas diferenças estruturais entre os diferentes perfis de pessoas com doença. Mais recentemente, em 2023, um estudo na área da reumatologia faz uma proposta interessante sobre como corresponder as necessidades de projectos de investigação com os diferentes contributos que as pessoas com doença poderão dar (5).

Apesar destas primeiras reflexões, continua a ser premente aprofundar esta ideia de que uma comunidade de pessoas com doença representa uma riqueza extraordinária de valências, e que devemos corresponder as características adequadas às necessidades de cada fase de um projecto e não apenas validar se são “pessoas com doença”, conforme reclama o requisito. Escolhas desajustadas poderão levar à desmotivação e descrédito quanto ao envolvimento destes novos parceiros em actividades de investigação. Há que, por isso, dedicar algum tempo a reflectir sobre quem envolver, e quando, de forma a garantir que ninguém perde tempo, esse bem precioso, e que o contributo de todos traz, de facto, valor.

Referências

  • Ryll, B. From good to great: what patients can do for your medical research. Nat Med 26, 1508 (2020). https://doi.org/10.1038/s41591-020-1097-8
  • Geissler J, Ryll B, di Priolo SL, Uhlenhopp M. Improving Patient Involvement in Medicines Research and Development:: A Practical Roadmap. Ther Innov Regul Sci. 2017 Sep;51(5):612-619. doi: 10.1177/2168479017706405.
  • Warner K, See W, Haerry D, Klingmann I, Hunter A, May M. EUPATI Guidance for Patient Involvement in Medicines Research and Development (R&D); Guidance for Pharmaceutical Industry-Led Medicines R&D. Front Med (Lausanne). 2018 Oct 9;5:270. doi: 10.3389/fmed.2018.00270.
  • German Federal Ministry of Education and Research. Principles of Successful Patient Involvement in Cancer Research [online]. 2021. https://bmbf.de/SharedDocs/Downloads/en/210907-unite-against-cancer.pdf (accessed 12 January 2023)
  • Schoemaker CG, Richards DP, de Wit M. Matching researchers’ needs and patients’ contributions: practical tips for meaningful patient engagement from the field of rheumatology Annals of the Rheumatic Diseases Published Online First: 05 January 2023. doi: 10.1136/ard-2022-223561

Constança Roquette
Doutoranda do programa de Gestão da Nova School of Business and Economics; Assistente convidada e membro da Nova Health Economics and Management Knowledge Center da mesma universidade.

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