“Gente preparada” e um ministro com “humildade”. Setor farmacêutico diz o que pensa antes das Legislativas 1740

Daqui a dois dias, no próximo domingo, dia 10 de março, a grande maioria dos portugueses, pois alguns já o fizeram antecipadamente, dirige-se às urnas para decidir o próximo governo. As Legislativas de 2024 não estavam nos planos, mas são reais, tal como os problemas e desafios que o setor farmacêutico, em particular, e a Saúde, num todo, enfrentam.

Depois de o Netfarma lhe mostrar o que dizem os programas dos partidos com assento parlamentar, referindo ainda declarações de representantes dessas mesmas forças, é hora de dar espaço ao próprio setor e às suas reivindicações. Abaixo poderá ler o que diversas estruturas representativas da área farmacêutica acham de vários assuntos, desde os programas eleitorais, às medidas essenciais a serem tomadas pelo próximo Governo, e até que características deveria ter o próximo ministro da Saúde.

Helder Mota Filipe quer “gente preparada”

No já referido artigo sobre os partidos, explicamos que os ouvimos no debate “Legislativas – Prioridades para o Ecossistema Farmacêutico e da Saúde”, que aconteceu recentemente no Pavilhão do Conhecimento, em Lisboa, e foi organizado pela Associação Portuguesa de Jovens Farmacêuticos (APJF). Com essa discussão ainda a quente, coube a Helder Mota Filipe, bastonário da Ordem dos Farmacêuticos, encerrar o evento, pelo que as declarações desse dia são de elevada pertinência.

Sobre o setor disse “ver muito pouco nos programas partidários, mesmo compreendendo que não podem ser muito exaustivos, pois se já há tão poucas pessoas a lê-los, ainda seriam menos”. Corroborando este ponto, e justificando-se com um trabalho da Escola Nacional de Saúde Pública sobre os programas eleitorais dos partidos presentes na Assembleia da República, e acrescentando que foi algo “também identificado pela Ordem dos Farmacêuticos”, destacou que faltam medidas para a “sustentabilidade do sistema de saúde”.

Destacou ainda, no seguimento da falha identificada, que o “setor farmacêutico não é apenas o setor assistêncial e as farmácias comunitárias. A farmácia hospitalar, as análises clínicas, muitas vezes esquecidas e tão importantes, e também o são os farmacêuticos na indústria, na distribuição, investigação e na avaliação das tecnologias da saúde”.

“O medicamento representa quase um quarto do orçamento para a Saúde e é bom que haja gente preparada para ajudar às escolhas mais custo-efetivas, de modo a que o sistema se torne sustentável”, afirmou perentoriamente, dando como exemplo o possível papel do Laboratório Nacional do Medicamento.

“Não vejo na área farmacêutica a criação de riqueza. Não vejo a estratégia para o desenvolvimento do tecido farmacêutico nacional, da atração de investimento e usar Portugal como base do fabrico e da exportação. Não vejo uma estratégia para o desenvolvimento da investigação clínica, nomeadamente dos ensaios clínicos. Os políticos passam o tempo a dizer que a investigação clínica é estratégica para Portugal, mas depois somos dos países menos competitivos se compararmos com os países europeus da nossa dimensão”, frisou, antes de referir que a OF enviou um documento a todos os partidos políticos com um “conjunto de áreas que são importantes desenvolver”. “Um documento igual para todos e a que só alguns dos partidos reagiram. Eu sei que são tempos de campanha eleitoral, mas na presença de representantes, quero demonstrar a nossa disponibilidade e abertura para discutir os pontos que propusemos”, garantiu.

Destacou ainda a Residência Farmacêutica e a necessidade de se garantir a sua “qualidade e sustentabilidade”, para que “em 2027, quando saírem os primeiros especialistas, o SNS crie condições para eles lá continuarem, ou será apenas um sinal de incompetência e má gestão”. E, deste ponto, saltou para o facto de ser essencial ter “serviços farmacêuticos sustentáveis”. Dizendo que o SNS não tem mostrado estar em condições de dar resposta, “algo que o cidadão tem o direito de exigir porque é o que a Constituição confere como missão do Serviço Nacional de Saúde”, afirmou que a “rede de farmacêuticos comunitários pode dar resposta”, “não sendo preciso inventar a roda”.

“E é importante que naquilo em que os farmacêuticos têm competência para desenvolver novas intervenções, que essas possam ser estimuladas, que se criem condições para que os doentes vejam as suas situações resolvidas na farmácia, sempre que possível, mediante protocolo, porque esse é um aspeto importante. E que apenas recorra aos cuidados primários, ou às urgências, nas situações onde os farmacêuticos não possam intervir, ou a intervenção não tenha sido bem-sucedida”, explicou como solução.

A finalizar, a importância do acesso aos dados, porque “muitas destas intervenções exigem que a informação clínica relevante assegure a qualidade das mesmas”. “Têm-se dado alguns passos, os farmacêuticos, para fazer a renovação da terapêutica crónica, têm acesso ao histórico na prescrição dos doentes, e é também um mecanismo que permite comunicar com o médico prescritor. Se funciona adequadamente ou não, já é outra discussão”, frisou.

ANF elenca “medidas para colocar todo o potencial das farmácias ao serviço da população”

A Associação Nacional das Farmácias referiu, numa nota enviada ao Netfarma, que teve reuniões com vários partidos políticos com assento parlamentar e, já em 2024, foi recebida em audiência pelo Conselho Económico e Social (CES). Destaca propostas contempladas no Orçamento do Estado de 2023, com a dispensa em proximidade e a renovação da terapêutica crónica, bem como o alargamento da vacinação sazonal às farmácias comunitárias. A presidente da ANF, Ema Paulino, destacou a importância de passar a existir intervenção das farmácias na abordagem a situações clínicas ligeiras que, por exemplo, permita reduzir a pressão sobre as urgências. Acrescentando a testagem rápida de infeções ou a participação em rastreios nacionais, adjetiva estas medidas de “essenciais a concretizar para colocar todo o potencial das farmácias ao serviço da população”.

A associação defende ainda, como medidas essenciais a concretizar no início da próxima legislatura, o reforço da atratividade do mercado nacional do medicamento, com a definição de políticas de preço e reembolso que evitem a falta de medicamentos e promovam a sustentabilidade do circuito do medicamento, bem como a revisão do modelo de incentivos à dispensa de medicamentos genéricos às farmácias, atualizando os critérios do regime vigente de modo a estimular o crescimento da quota de medicamentos genéricos.

É ainda destacada a necessidade de apoio à manutenção das farmácias localizadas em territórios de baixa densidade populacional, adotando mecanismos de equidade e coesão territorial que prevejam a definição de incentivos económicos e fiscais às farmácias. Finalizando, a Associação Nacional das Farmácias quer ver desenvolvidas as ferramentas digitais de comunicação e partilha de informação entre profissionais de saúde, assegurando a possibilidade de os farmacêuticos nas farmácias poderem aceder aos registos de saúde eletrónicos, mediante consentimento das pessoas, e interagindo com os profissionais que intervêm na prestação de cuidados.

ADIFA quer legislação para um “serviço completo como infraestrutura crítica nacional”

A Associação de Distribuidores Farmacêuticos (ADIFA) também falou ao Netfarma sobre o que importa fazer a breve trecho, os pontos nos quais a tutela, assim que definida, deve pegar mais rapidamente. E o primeiro prende-se com a atratividade do mercado e a sustentabilidade económica, estando logo à cabeça a questão dos preços, porque segundo Nuno Flora, presidente da ADIFA, “a degradação do preço dos medicamentos tem colocado em risco o serviço de interesse público desempenhado pela distribuição farmacêutica”. Mesmo com atualizações em 2023 e 2024, sobretudo nos preços mais baixos, e existindo mecanismos-travão nas descidas dos de preço mais elevado, “é necessário continuar a atualização do preço dos medicamentos, de forma a acompanhar o aumento dos custos de produção, distribuição e dispensa, que promova maior competitividade no abastecimento do mercado nacional”.

Já acerca da escassez de medicamentos, a ADIFA identifica a falta de produto (abastecimento do mercado pelos TAIM) como o problema maior, assim como, em alguns casos, uma “diferença brutal entre oferta e procura”. “Temos sensibilizado a tutela para a necessidade de um acompanhamento mais adequado e, no âmbito da Via Verde do Medicamento, para a correção das fragilidades existentes no mecanismo como a validação das prescrições médicas”, refere Nuno Flora, acrescentando que a associação tem proposto que a legislação nacional “evolua e consagre a diferenciação da atividade de distribuição farmacêutica de serviço completo, com deveres e direitos próprios, nomeadamente o de prioridade no abastecimento”.

Destacando ainda a necessidade de regulamentação final para a dispensa de medicamentos hospitalares em proximidade e transição para o ambulatório, bem como o alargamento e determinados benefícios fiscais para a atividade de transporte de medicamentos e produtos de saúde, a ADIFA refere ainda que é urgente a identificação das infraestruturas críticas essenciais do setor da Saúde.

Neste ponto, Nuno Flora frisa que “a legislação em vigor e os planos de emergência devem contemplar o setor da distribuição farmacêutica de serviço completo como infraestrutura crítica nacional e reconhecer os distribuidores farmacêuticos como entidades prioritárias”. “Temos já legislação nacional que o permite, de janeiro de 2022, que foi reforçada pela diretiva europeia de dezembro de 2022, mas falta a regulamentação e identificação das entidades. Este reconhecimento como um serviço essencial garante a continuidade da atividade da distribuição farmacêutica em períodos de crise ou de calamidade pública, prevenindo o risco de a população portuguesa ser privada do acesso aos medicamentos e o normal funcionamento do circuito de distribuição farmacêutica em situações de emergência”, garantiu.

“Não deixar nenhuma pessoa para trás”, diz a APOGEN

Associação Portuguesa de Medicamentos Genéricos e Biossimilares (APOGEN) enviou também ao Netfarma uma lista de prioridades para a próxima legislatura, começando por referir que o mais importante é “não deixar nenhuma pessoa para trás”, porque todos devem ter acesso a medicamentos seguros, eficazes e a preços comportáveis.

Além de recomendar a celebração de um protocolo entra a própria APOGEN e o Ministério da Saúde, sugere, entre outras medidas, a revisão dos procedimentos concursais para a aquisição de medicamentos e ainda a revisão do modelo de incentivos aos profissionais de saúde para a prescrição e dispensa de medicamentos genéricos e biossimilares.

A associação destaca que segundo o “Relatório sobre uma Estratégia Farmacêutica para a Europa” esta indústria necessita de um quadro regulamentar estável e previsível que limite o ónus administrativo e salvaguarde o princípio da prevenção e a disponibilidade de medicamentos seguros, eficazes e de qualidade no mercado da UE, salientando ainda que o sistema de autorização de introdução no mercado deve basear-se no quadro legislativo existente e evitar duplicações e encargos administrativos adicionais.

É necessário adotar padrões regulamentares que, sendo mais eficientes, evitem ruturas e promovam o acesso dos cidadãos aos medicamentos genéricos e biossimilares, como capacitar o Infarmed com condições de Recursos Humanos e Infraestrutura Tecnológica, para regular e supervisionar os sectores do medicamento e produtos de saúde, com o objetivo de intensificar a proximidade com as partes interessadas designadamente a indústria farmacêutica. É também necessária a revisão do regime de fixação e atualização de preços dos medicamentos não protegidos por patente para assegurar a viabilidade da sua comercialização: revisão anual de preços tendo por base o valor da inflação do ano anterior.

A APOGEN defende ainda que o futuro Ministério da Economia tendo como missão formular, conduzir, executar e avaliar as políticas de desenvolvimento dirigidas ao crescimento da economia, da competitividade, do investimento e da inovação, à internacionalização das empresas e à promoção da indústria, entre outros, deve integrar a vertente económica da indústria farmacêutica. É também sugerida a eliminação da Contribuição Extraordinária da Indústria Farmacêutica (CEIF) ou, na sua impossibilidade, harmonização da CEIF para os medicamentos genéricos e biossimilares no mercado hospitalar para 2,5%, em igualdade com os medicamentos genéricos no mercado ambulatório.

Criar um quadro de incentivos que apoie os investimentos em novas tecnologias mais verdes e tecnologias automatizadas potenciando a qualificação dos trabalhadores, bem como aplicar discriminação positiva para medicamentos produzidos em Portugal contribuindo para o equilíbrio da balança comercial, hoje, altamente negativa, são as duas últimas medidas do documento em que a APOGEN define as suas prioridades para quem ficar com morada em São Bento a 10 de março.

Presidente da APJF pede “humildade” ao novo ministro para melhorar o sistema

Lucas Chambel, novo presidente da Associação Portuguesa de Jovens Farmacêuticos (APJF) deu uma longa e exclusiva entrevista ao Netfarma, que poderá ler brevemente, à margem da qual abordou a questão das eleições do próximo domingo. “Eu acredito que quem quer que seja que vá governar, e o novo ministro da Saúde, vão ter de pensar no que querem para o sistema de saúde, porque já vimos que o caminho que nos trouxe até aqui não está a funcionar. E acho que os farmacêuticos podem ser parte dessa solução”, começou por afirmar.

Sem se coibir, o responsável da APJF disse que “gostava de ver no novo ministro a humildade para entender que antes de ter um programa de governo, tem de sentar-se com aqueles que representam os profissionais, para entender quais é que são as armas que vai levar para o campo de batalha e, de facto, construir um sistema mais robusto, que dê garantias e que garante o acesso à saúde em Portugal”.

Acrescentou que o novo ministro deveria ainda adotar uma “visão intersectorial da saúde, para criar políticas que não sejam apenas para um setor, mas para unir toda a saúde”.

E para Lucas Chambel há outro ponto relevante: não se vive bem em Portugal. “Precisamos de uma mudança de paradigma na questão da prevenção da doença e da promoção da saúde. Quem assumir a área tem de entender que em Portugal vive-se muito, mas vive-se mal. Nós vivemos cinco anos a menos com vida saudável do que a média da União Europeia. Isto tem de nos fazer pensar, porque não basta dizermos que temos uma esperança média de vida alta, temos de dizer também que as pessoas vivem com saúde. E aí não só os farmacêuticos, como os outros profissionais de saúde, têm um papel. Mas têm um papel ainda maior aqueles que têm responsabilidades governativas em garantir que, por exemplo, matérias do envelhecimento ativo não estão ligadas, nem apenas ao setor social, nem apenas ao setor económico, mas também ao setor da saúde. E garantir que o pensamento do saúde em todas as políticas é de facto uma realidade e não apenas um chavão”, afirmou de forma perentória.

Ainda sobre a Residência Farmacêutica, o presidente da APJF realçou que o próximo Governo “tem de perceber exatamente quais são os resultados, o que está a correr bem e o que está a correr mal, para depois existirem indicações claras do que é que se pode fazer para garantir que um farmacêutico em Faro não tenha acesso a oportunidades diferentes do que um farmacêutico em Vila Real”.

Para a APEF é simples: “Um Voto Informado, um Futuro Assegurado”

A Associação Portuguesa de Estudantes de Farmácia (APEF) elaborou um documento chamado “Um Voto Informado, um Futuro Assegurado”, tendo em vista as Legislativas. Neste sentido, Bernardo Simão Pedroso, Vice Presidente para a Comunicação e Relações Externas da APEF, assina a introdução do documento, em que refere que a associação tem no mesmo “esforços feitos pela Federação em reunir, organizar e disseminar ideias e sugestões, adaptadas ao ramo da Saúde e da Educação de uma forma absolutamente neutra, respeitando assim os Estatutos que regem a federação”.

Assim, e dada a apresentação das medidas e sugestões por parte da APEF no documento, mostramos abaixo tal qual as mesmas aparecem e são elencadas, de modo a respeitar as ideias e a execução, mediante os cinco pilares essenciais apresentados.

Valorização Profissional

  1. Garantir remunerações que dignifiquem a profissão, promovendo condições de trabalho favoráveis e em coerência com a remuneração;
  2. Garantir a progressão de carreira e assegurar a implementação de suplementos salariais e incentivos com base em resultados mensuráveis de eficiência e impacto na comunidade;
  3. Promover uma abordagem concertada com as Ordens Profissionais e as associações representativas no que respeita a estratégias com vista à retenção de jovens farmacêuticos no SNS;
  4. Construir, progressivamente, equipas multidisciplinares no SNS, particularmente a inclusão do Farmacêutico nestas equipas, fomentando um maior envolvimento nas decisões de gestão estratégica e

Promoção da Saúde e Prevenção da Doença

  1. Reforçar os recursos e meios da linha SNS24, implementando os balcões SNS24 aproveitando a ampla distribuição nacional da rede de Farmácias Comunitárias;
  2. Implementação de programas a nível nacional de rastreios regulares por forma a identificar precocemente condições de saúde potencialmente problemáticas;
  3. Investir no desenvolvimento do Registo de Saúde Eletrónico, permitindo que, no âmbito das suas atribuições, possam aceder a informação clínica relevante;
  4. Investir na integração dos sistemas informáticos dos cuidados de saúde primários e hospitalares com os das farmácias comunitárias, promovendo a articulação e comunicação eficaz.

Cuidados de Proximidade

  1. Implementação de canais de comunicação interprofissionais eficazes e interoperáveis no que refere à prescrição e dispensa de benzodiazepinas;
  2. Potencializar a rede de Farmácias Comunitárias na monitorização e avaliação da eficácia do plano terapêutico implementado, bem como na reavaliação Farmacoterapêutica e literacia em saúde mental;
  3. Desenvolver Redes de Cuidados continuados, paliativos e de centros ambulatórios de Proximidade, sendo integrado o Farmacêutico como responsável pelo acesso, disponibilização e dispensa dos medicamentos;
  4. Capacitar as Farmácias comunitárias reforçando a sua intervenção, nomeadamente em situações clínicas ligeiras;

Investigação Clínica

  1. Implementação de estatutos como profissional-doutorando, investigador e docente, por forma a estimular a inovação científica;
  2. Promoção da articulação entre a atividade clínica e a investigação científica, facilitando a redução de horário para dedicação a projetos de investigação.

Ensino Superior

  1. Regulamentação e Uniformização dos Estatutos Especiais de Estudantes;
  2. Combater a Endogamia Académica através de incentivos à contratação de docentes convidados com formação noutras IES e à Mobilidade de docentes;
  3. Criação de incentivos à promoção da carreira de docente pedagógico;
  4. Promover a inclusão de discentes na composição dos órgãos deliberativos das IES;
  5. Criação de incentivos e mecanismos para fomentar a interação entre as IES, os Centros de Investigação, os docentes e os investigadores com diferentes áreas e setores da sociedade.

 

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