
À medida que nos aproximamos das eleições legislativas, é natural que nós, farmacêuticos, nos sintamos impelidos a refletir sobre o papel que os diferentes partidos atribuem às farmácias na construção de um sistema de saúde sustentável, orientado para o bem-estar dos cidadãos. Para ajudar nesse processo de reflexão, deixo aqui algumas questões que penso merecerem a atenção de todos.
Em primeiro lugar, deveremos questionar se existe um comprometimento explicito no que diz respeito à implementação do projeto-piloto para intervenção farmacêutica em situações clínicas ligeiras. Sabemos que o desenvolvimento desta medida exige vontade política, coordenação com o SNS e reconhecimento público do farmacêutico como um agente de primeira linha na prestação de cuidados de saúde. A segurança e eficácia deste modelo está diretamente ligada à partilha bidirecional de dados clínicos e a uma linha de comunicação direta entre os profissionais de saúde, permitindo assegurar o acompanhamento do doente, a coordenação terapêutica e a continuidade dos cuidados. Para tal, é essencial formação adicional, um enquadramento legal claro e o reconhecimento formal da atividade clínica do farmacêutico.
Um segundo ponto a ter em conta nos programas eleitorais é a intenção de realizar, manter ou prolongar protocolos de cooperação entre farmácias, municípios e Serviço Nacional de Saúde (SNS) para diferentes ações de saúde pública. O sucesso deste tipo de colaborações – rastreios cardiovasculares, deteção de cancro colorretal, testes de deteção da Helicobacter pylori, consultas de cessação tabágica, reconciliação terapêutica, preparação individualizada de medicamentos (PIM) e acompanhamento de doentes crónicos, entre outras, depende de uma ligação formal entre as farmácias e os cuidados de saúde primários, bem como da inclusão da farmácia em protocolos assistenciais e de referenciação entre níveis de cuidados. Qual a candidatura mais bem preparada para nos garantir este caminho em que os farmacêuticos desempenham um papel fundamental não só na resposta a problemas de saúde ligeiros, mas também na promoção da saúde, gestão da terapêutica e continuidade dos cuidados aos nossos doentes?
A terceira questão que se impõe é a capacitação, regulação e valorização dos farmacêuticos e dos serviços prestados pelas farmácias neste novo contexto de prestação de serviços na farmácia comunitária. O atual modelo de financiamento está assente quase exclusivamente na margem do medicamento, o que é manifestamente insuficiente para o tipo de serviço/atendimento prestado. Acreditamos ser essencial avançar para a remuneração por serviços farmacêuticos prestados, reconhecendo o valor clínico, económico e social da intervenção farmacêutica. Aguardamos medidas concretas e uma revisão do enquadramento legal de forma a promover o reconhecimento do farmacêutico como profissional de saúde de primeira linha, valorizando a sua carreira e competências. O futuro Governo deverá garantir estas condições para que o modelo seja seguro e eficaz.
Por último, devemos ter em conta pelo menos mais dois temas: qual o
investimento previsto na transição digital do SNS, particularmente na criação/melhoria de plataformas de comunicação direta com outros profissionais de saúde como, por exemplo, o médico de família. E qual o programa político mais vocacionado para conceder ao farmacêutico uma maior intervenção na gestão da disponibilidade do medicamento.
No primeiro caso, as farmácias devem ter acesso a canais diretos de contacto através de sistemas interoperáveis. A partilha de dados clínicos e o registo de atos farmacêuticos devem também assegurar a coordenação terapêutica, o seguimento e a garantia de continuidade dos cuidados ao doente, numa abordagem que se quer colaborativa e centrada no utente.
O tema derradeiro, mas não menos relevante, pressupõe clareza no programa eleitoral sobre a gestão de medicamentos esgotados, devendo o farmacêutico poder substituí-los por alternativas equivalentes, garantindo desta forma o acesso contínuo à terapêutica, com segurança e responsabilidade. Adicionalmente, a ação do farmacêutico no processo de Renovação de Terapêutica deverá ser uma ação efetiva, tendo por base a comunicação direta com o médico de família, sem necessidade de o utente ter de solicitar a renovação da prescrição médica.
Votar em consciência é a melhor forma de lutar pelo nosso futuro. Não deixem de votar.
Isabel Correia Cortez
Presidente da Associação de Farmácias de Portugal