Cuidar De Quem Cuida: O futuro Incerto dos cuidados informais em Portugal 456

Com famílias cada vez mais pequenas e envelhecidas, o modelo de cuidados assente no apoio informal, essencial até hoje, poderá tornar-se insustentável nas próximas décadas. Portugal necessita de reforçar e articular as várias redes formais de apoio, garantindo um sistema sustentável, integrado e centrado nas pessoas.

Um pilar silencioso do sistema

Em Portugal, mais de 12% da população presta algum tipo de cuidado informal, uma das taxas mais elevadas da Europa [1]. A maioria são mulheres com cerca de 60 anos, que cuidam de familiares dependentes, assegurando a medicação, a higiene, a alimentação e o acompanhamento diário. Muitas acumulam estas responsabilidades com o emprego (36%) ou desempenham-nas já após a reforma [2,3].

O valor económico deste trabalho não remunerado é estimado em mais de 2% do PIB nacional, ultrapassando largamente o gasto com cuidados formais de longa duração [4]. Sem estas pessoas, o sistema de saúde e de apoio social teria grande dificuldade em funcionar.

Menos cuidadores, mais dependentes

Mas esta base humana está a mudar. O estudo de Pego e Nunes (2018) [5] revelou que 39,5% dos idosos dependentes em Portugal não têm qualquer apoio informal, evidenciando já uma escassez estrutural. As autoras alertam para “uma situação crítica para ambos os grupos, idosos e cuidadores, e uma perspetiva alarmante no futuro próximo”, marcada por envelhecimento populacional e redução da disponibilidade de cuidadores jovens.

As causas são conhecidas: famílias menores, casamentos e filhos mais tardios, maior participação feminina no mercado de trabalho e dispersão geográfica. Em poucas décadas, ter um familiar disponível para cuidar deixará de ser a regra, colocando em causa a sustentabilidade de um modelo que continua excessivamente dependente do cuidado familiar.

Um modelo que precisa de mudar

O Estatuto do Cuidador Informal (Lei n.º 100/2019, alterado em 2024 [6]) foi um marco importante ao reconhecer formalmente quem cuida e ao prever apoios financeiros, períodos de descanso, formação e acompanhamento psicológico.

Ainda assim, os números permanecem modestos: em setembro de 2025 existiam 18,302 cuidadores registados, dos quais apenas 6,355 recebiam o subsídio, com um valor médio de 415,51 euros mensais [2].

Os critérios de elegibilidade permanecem exigentes e os procedimentos administrativos complexos, o que desincentiva muitas famílias. Acresce que o montante do apoio é insuficiente para compensar a perda de rendimento e os encargos financeiros associados ao exercício continuado das funções de cuidado.

 

Um sistema fragmentado e insuficiente

Portugal não dispõe de um sistema único de cuidados a longo prazo, mas sim de um conjunto de redes e respostas dispersas entre ministérios e níveis de governação.
A Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados (RNCCI), sob tutela conjunta do Minstério da Saúde e do Minitério do Trabalho, Solidarierade e Segurança Social (MTSSS), constitui o principal instrumento público de articulação entre cuidados de saúde e apoio social, oferecendo internamento de média e longa duração, unidades de convalescença e equipas domiciliárias. Contudo, apenas uma parte das suas unidades está vocacionada para cuidados de longa duração, e o seu desenvolvimento tem sido condicionado pela escassez de recursos humanos e financeiros.

Paralelamente, as Estruturas Residenciais para Pessoas Idosas (ERPI) e os Serviços de Apoio Domiciliário (SAD), sob tutela exclusiva do MTSSS, desempenham um papel determinante na resposta formal. Este mosaico institucional traduz-se em fragmentação, desigualdades regionais e barreiras de coordenação, comprometendo o acesso equitativo a cuidados de qualidade. Ver: Cuidadores a longo prazo – de onde vimos, e para onde pretendemos ir?

A insuficiência da oferta formal é evidente: apenas 2% das pessoas com 65 ou mais anos recebiam cuidados formais de longa duração em 2023, uma das proporções mais baixas da Europa e muito abaixo da média da OCDE (12%) [3]. Esta limitação agrava a pressão sobre as famílias e contribui para internamentos prolongados, sobrecarga hospitalar e desigualdades no acesso a cuidados adequados.

Reforçar o equilíbrio entre o formal e o informal

Garantir o futuro dos cuidados em Portugal exige um novo equilíbrio entre apoio familiar e respostas formais, com investimento simultâneo na capacidade instalada e na integração entre redes.

Isso passa por:

  • Aumentar a capacidade da RNCCI e das respostas sociais, especialmente no apoio domiciliário;
  • Valorizar e apoiar os cuidadores informais, simplificando processos, aumentando o subsídio e garantindo formação e acompanhamento psicológico;
  • Reforçar a articulação entre saúde, apoio social e autarquias, evitando internamentos prolongados e duplicações de esforço;
  • Apostar em políticas de prevenção e promoção da saúde, reduzindo a dependência futura e o peso da doença crónica.

 

Cuidar é uma responsabilidade partilhada

Portugal encontra-se perante um ponto decisivo. Sem uma ação estruturada, o país terá cada vez mais pessoas a necessitar de apoio e menos cuidadores disponíveis para o assegurar. Valorizar quem cuida é fundamental, mas insuficiente: só o reforço dos cuidados formais, integrados e acessíveis permitirá garantir um sistema de longa duração sustentável, equitativo e preparado para o futuro.

Cuidar não pode continuar a ser entendido apenas como um esforço individual ou familiar. É uma responsabilidade partilhada que exige políticas públicas robustas, investimento continuado e uma visão de longo prazo.

A construção de um sistema de cuidados digno e funcional é, acima de tudo, um investimento coletivo na saúde, na coesão social e na capacidade do país para envelhecer com qualidade.

Ana Rita Santos
Health Economics Researcher at Value for Health CoLAB
Nova School of Business and Economics

 

Referências

  1. Costa A, Loura D de S, Nogueira P, Melo G, Gomes I, Ferraz I, Viegas L, Henriques MA. Informal Caregivers’ Health Literacy in Lisbon, Portugal: A Profile for Health Promotion Prioritization. Geriatrics 2022 Sep 6;7(5):92. doi: 10.3390/geriatrics7050092
  2. Segurança Social. Estatuto do Cuidador Informal. 2025. Available from: https://www.seg-social.pt/ptss/pssd/estatisticas/estatisticas-cuidador-informal?type=monthly [accessed Apr 29, 2025]
  3. Health at a Glance 2025. OECD Publishing; 2025. doi: 10.1787/8f9e3f98-enISBN:9789264954847
  4. Spasova S, Baeten R, Coster S, Ghailani D, Peña-Casas R, Vanhercke B. Challenges in long-term care in Europe. A study of national policies. Brussels; 2018.
  5. Pego MA, Nunes C. Aging, Disability, and Informal Caregivers: A Cross-sectional Study in Portugal. Front Med (Lausanne) 2018 Jan 16;4. doi: 10.3389/fmed.2017.00255
  6. Assembleia da República. Lei n.o 100/2019. Diário da República n.o 171/2019, Série I de 2019-09-06, páginas 3 – 16; Sep 6, 2019. Available from: https://diariodarepublica.pt/dr/detalhe/lei/100-2019-124500714 [accessed Apr 29, 2025]