Cuidados a longo prazo – de onde vimos, e para onde pretendemos ir? 2163

A procura por cuidados a longo prazo tem aumentado em vários países, conduzindo a reformas dos sistemas de long-term care que procuram melhorar a qualidade e eficiência destes cuidados, como no caso da Holanda em 2015, da Alemanha em 2017 e da reforma em atual discussão no Reino Unido* (1-3). Na maioria dos países desenvolvidos, a pandemia por COVID-19 veio expor inúmeras fragilidades do formato atual de prestação de cuidados a idosos em instituições (i.e. nos lares). Mas os lares de idosos representam apenas um dos grupos e das tipologias de cuidados de que a população pode precisar a longo prazo. Outros grupos incluem pessoas com deficiência física, intelectual ou sensorial, ou com doença mental grave e crónica. Quanto à tipologia de cuidados, pode ser necessária a institucionalização, nos casos mais complexos, ou o suporte em ambulatório e na comunidade, incluindo apoio domiciliário, unidades socio-ocupacionais, entre outros.

Ao pensar nas diferentes tipologias de cuidados a longo prazo e nos grupos da população que necessitam dos mesmos, compreende-se que em Portugal não existe um sistema único de long-term care, e que a responsabilidade sobre estes cuidados se encontra dissipada por diferentes sistemas ou redes, e até Ministérios. Embora neste âmbito seja frequente mencionar a Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados (RNCCI), é de notar que apenas uma das tipologias de internamento na RNCCI se classifica como de longa duração; sendo uma outra vertente da rede responsável por internamentos de curta e de média duração, e unidades de convalescença. A RNCCI integra também, desde 2015, os Cuidados Continuados Integrados de Saúde Mental (CCISM). No entanto, o desenvolvimento dos CCISM tem sido lento e sucessivamente adiado desde a sua criação em 2010, facultando na atualidade apenas cerca de 300 lugares (internamento e ambulatório) (4). Quanto às estruturas residenciais para pessoas idosas (ERPI) – que usualmente chamamos de lares – importa notar que são tuteladas pelo Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, no âmbito da rede de respostas sociais. Este é também o caso de lares residenciais que acolhem jovens e adultos portadores de deficiência, e de grande parte do apoio domiciliário (serviço de apoio domiciliário – SAD), com exceção dos cuidados prestados em ambulatório no âmbito da RNCCI, nomeadamente pelas Equipas de Cuidados Continuados Integrados (ECCI) e de outras escassas unidades socio-ocupacionais.

Se a fragmentação dos cuidados a longo prazo no nosso país faz adivinhar limitações ao seu alinhamento estratégico e reforma, bem como à coordenação das equipas na prática, a principal crítica continua a ser a limitação no número de repostas disponíveis. Esta limitação traduz-se atualmente em problemas de acesso aos cuidados a longo prazo e em desigualdades geográficas e socioeconómicas (face à limitação na oferta financiada publicamente, a possibilidade de pagar cuidados privados influencia o acesso). Para além do impacto nas famílias e de uma forma geral na sociedade, a inexistência de uma oferta satisfatória de cuidados a longo prazo reflete-se na alocação ineficiente de recursos, resultando em estadias hospitalares longas de idosos e daqueles com doença mental grave, que têm elevados custos, quer financeiros quer de oportunidade.

Uma solução óbvia para os problemas descritos acima parece ser o aumento de capacidade da RNCCI e da rede de respostas sociais. No entanto, o desenho de um sistema de cuidados a longo prazo sustentável deve ter em consideração muitos outros aspetos, dos quais elenco de seguida alguns exemplos:

Em primeiro lugar, é necessário revisitar a tendência que prevalece no nosso País para favorecer a institucionalização ao invés da prestação de cuidados ao domicílio, uma vez que a manutenção do idoso ou doente na comunidade, tanto tempo quanto possível, parece ter os melhores resultados em termos de qualidade de vida ou reabilitação da doença. Articular repostas na comunidade pode ser mais desafiante do que fazê-lo “entre quatro paredes” mas devemos apostar em seguir a evidência e a tendência internacional de diminuir o internamento de doentes, e privilegiar a domiciliarização como principal solução para um futuro em que a procura continuará a aumentar, como resultado da maior longevidade da população e de menor capacidade das famílias para cuidar em casa sem apoio profissional.

Em segundo lugar, uma limitação considerável ao aumento da capacidade parece ser a disponibilidade de profissionais – principalmente profissionais de saúde mas também os prestadores de cuidados sociais. A dificuldade de contratação e de retenção de profissionais de saúde está identificada na RNCCI, nomeadamente quanto a enfermeiros. Uma das maiores limitações à contratação e retenção dos profissionais parece ser a falta de condições salariais atrativas, que por sua vez está associada a outra crítica frequente de quem gere a prestação destes serviços – o subfinanciamento dos mesmos.

Por fim, um paradigma novo e sustentável para os cuidados a longo prazo em Portugal deve reconhecer a necessidade de agir a montante, para melhoria da saúde da população na fase que antecede estes cuidados. Na área da saúde mental a população portuguesa concentra níveis de doença preocupantes e um histórico de evolução da política de saúde mental lento (4), numa área que deve ser priorizada urgentemente. Para além disso, os Portugueses encontram-se “na cauda” da Europa quanto ao número de anos de vida com saúde (4), o que implica uma prestação de cuidados a longo prazo a idosos com perfis de elevada multimorbilidade, e a consequente necessidade de que estes serviços incluam uma forte componente de cuidados de saúde (ao invés de apoio social). Portugal precisa de apostar agora na promoção de estilos de vida saudáveis e na prevenção da doença (principalmente cardiovascular). Para além da melhoria da saúde e da qualidade de vida da sua população, esta aposta parece ser essencial a um sistema de cuidados a longo prazo sustentável, e refletir-se-á também num menor peso dos cuidados de saúde secundários no Serviço Nacional de Saúde (SNS).

Francisca Vargas Lopes
(A coluna Notas da Nova é uma contribuição para a reflexão na área da saúde, pelos membros do centro de investigação Nova Healthcare Initiative – Research. São artigos de opinião da inteira responsabilidade dos autores)

*A discussão no Reino Unido trata da reforma de cuidados sociais (social care reform) ainda que tenha como principal enfoque os cuidados longo prazo.
* A opinião de autora incorpora aspetos da discussão recente desta temática no webinar “Impacto da Pandemia Covid nas ERPI e unidades de cuidados continuados”, promovido pela Fundação SNS no dia 26 de Julho de 2020.

Referências
(1) Nadash P. The Evolution of Long-term Care Programs Comment on “Financing Long-term Care: Lessons From Japan”. Int J Health Policy Manag. 2020;9(1):42-44. Published 2020 Jan 1.
(2) Alders P, Schut FT. The 2015 long-term care reform in the Netherlands: Getting the financial incentives right?. Health Policy. 2019;123(3):312-316. doi:10.1016/j.healthpol.2018.10.010
(3) Oung C, Curry N and Schlepper L (2020) ‘What steps are currently being taken to reform social care’?, in Adult social care in the four countries of the UK. Explainer series, Nuffield Trust.
(4) Ana Sofia Ferreira, Manuela Silva e Julian Perelman. Saúde. O Estado da Nação e as Políticas Públicas 2020. Valorizar as Políticas Públicas. Ricardo Paes Mamede e Pedro Adão Silva. IPPS‑Iscte, Instituto para as políticas Públicas e Sociais. Consultado a 26 de Julho de 2020. Disponível em: https://ipps.iscte-iul.pt/index.php/estudos-e-publicacoes/estudos-e-publicacoes-3

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