Reflexões dos jovens farmacêuticos sobre o Ensino Farmacêutico em Portugal 1157

Não podemos olhar para a revisão da Diretiva Europeia de Qualificações Profissionais como um simples ajuste técnico ou administrativo. Este momento é, na verdade, um apelo a repensar profundamente a forma como ensinamos Ciências Farmacêuticas em Portugal. É tempo de dar mais ambição ao estudo da patologia e da fisiopatologia, de investir de forma séria na tecnologia biofarmacêutica, de integrar com rigor a genética e a farmacogenómica, de consolidar a imunologia e a farmácia clínica, e sem nunca esquecer os cuidados farmacêuticos, a farmácia social, a saúde pública e a epidemiologia. Ao reforçar estas áreas, a diretiva reconhece a complexidade crescente de uma profissão onde a inovação científica e a exigência sanitária andam de mãos dadas.

Mas esta mudança não se resolve apenas com atualizações de “ementas”. As faculdades de farmácia têm de se reinventar: os currículos devem privilegiar um ensino clínico baseada na resolução de problemas, a formação complementar deve oferecer caminhos personalizados aos estudantes, de acordo com a pluralidade e diversidade de saídas profissionais, e a pedagogia precisa migrar das aulas expositivas para ambientes de simulação e cocriação, projetos interdisciplinares e experiências em contexto comunitário e hospitalar., com projetos interdisciplinares e experiências concretas em contexto comunitário e hospitalar.

A academia é a incubadora das profissões científicas e intelectuais, por isso cada decisão tomada no âmbito do ensino superior reflete-se, anos depois, no desempenho dos nossos colegas em farmácias, hospitais e indústrias. Por isso, os líderes do ensino e da profissão carregam uma responsabilidade acrescida: se queremos inovação, temos de garantir que formamos farmacêuticos críticos, criativos e preparados para enfrentar os desafios da prática diária.

Refletir sobre o ensino farmacêutico exige equilibrar as metas académicas — investigação, acreditação, reputação — com as reais necessidades do mercado de trabalho, do setor farmacêutico e da saúde. No futuro – como quem diz, hoje, lidamos com farmácias comunitárias que utilizam inteligência artificial para analisar perfis terapêuticos, hospitais que apostam em terapias génicas baseadas em dados, e indústrias que desenvolvem tecnologia de última geração. Ignorar esta ligação entre academia e prática é condenar os futuros profissionais a uma preparação desfasada da realidade.

Neste cenário de expansão de conteúdos e competências, é também legítimo refletir sobre a duração do mestrado integrado. Não faria sentido um ano adicional, como existia no início dos anos 2000, que permitisse estágios clínicos mais robustos, projetos de investigação aprofundados e uma consolidação real das competências que cada farmacêutico precisa para se afirmar e brilhar num mercado cada vez mais competitivo?

O debate sobre o ensino farmacêutico não pode ficar restrito às paredes das faculdades. Deve ser aberto, participado e inclusivo.

Apelamos à integração das associações profissionais, das sociedades científicas e das estruturas setoriais para, em conjunto, construirmos um modelo formativo sólido, inovador e alinhado com as exigências do futuro.

Sandra Vieira e Duarte Pinto

Associação Portuguesa de Jovens Farmacêuticos (APJF)