Reconhecimento da distribuição farmacêutica como entidade crítica: Pilar da resiliência em saúde 797

A pandemia de Covid-19 revelou, de forma inequívoca, a fragilidade das cadeias de abastecimento de medicamentos e dispositivos médicos. Nesse cenário, a distribuição farmacêutica destacou-se como um elo essencial, assegurando a continuidade do fornecimento de terapêuticas vitais mesmo em contextos de disrupção severa. O reconhecimento formal deste setor como entidade crítica, consagrado no Decreto-Lei n.º 22/2025, publicado a 19 de março, constitui um marco estratégico para reforçar a resiliência do sistema de saúde português.

Enquadramento legal reforçado

O recente Decreto-Lei transpõe para o ordenamento jurídico nacional a Diretiva (UE) 2022/2557, estabelecendo regras harmonizadas para a identificação e proteção de entidades críticas. Reconhece-se, assim, que atividades como a produção, transformação e distribuição de produtos de saúde são indispensáveis à manutenção de funções económicas e sociais vitais. A designação como entidade crítica implica obrigações reforçadas em matéria de prevenção, resposta e recuperação perante incidentes de origem natural, tecnológica ou geopolítica.

Benefícios estratégicos do reconhecimento

O estatuto de entidade crítica eleva a distribuição farmacêutica a um novo patamar de prioridade nas políticas públicas de emergência. Em situações de crise, como pandemias, catástrofes naturais ou ciberataques, estas entidades passam a dispor de acesso preferencial a recursos logísticos, proteção institucional e canais de comunicação diretos com as autoridades competentes. Entre os principais benefícios destacam-se:

  1. Prioridade no acesso a recursos essenciais
    Garantia de acesso preferencial a combustíveis, transportes, comunicações e segurança, assegurando a continuidade do fornecimento de medicamentos a farmácias e hospitais.
  2. Planeamento e preparação reforçados
    Obrigatoriedade de planos de contingência, simulações de crise e formação contínua, promovendo uma cultura organizacional ainda mais resiliente.
  3. Impulso à inovação e digitalização
    Estímulo ao investimento em soluções tecnológicas que aumentem a eficiência, segurança e rastreabilidade da cadeia de abastecimento. Este impulso tecnológico, não só melhora a capacidade de resposta em situações de crise, como também reforça a competitividade das entidades críticas num mercado cada vez mais exigente e regulado.
  4. Reforço da confiança pública
    O estatuto de entidade crítica confere legitimidade e visibilidade ao papel da distribuição farmacêutica na proteção da saúde pública. Esta valorização institucional é essencial para influenciar políticas públicas, consolidar parcerias estratégicas e atrair talento.
  5. Alinhamento com políticas de saúde pública
    Melhoria da articulação com as autoridades de saúde e outras entidades críticas, por exemplo, no setor da energia, comunicações e transporte, promovendo coesão territorial e acesso equitativo a medicamentos, especialmente em regiões com menor densidade populacional.
  6. Diferenciação competitiva
    Valorização dos operadores que cumprem requisitos rigorosos de segurança e rastreabilidade, com destaque para os distribuidores farmacêuticos de serviço completo, cujo papel é fundamental para a saúde pública em Portugal.

Compromisso com o futuro

O novo estatuto traz consigo responsabilidades acrescidas. As entidades críticas devem elaborar planos de continuidade de negócio robustos, realizar exercícios regulares de simulação de crise e garantir formação contínua em gestão de risco aos seus colaboradores. A articulação com as autoridades de saúde e de proteção civil será mais estruturada, exigindo uma cultura de antecipação e resposta eficaz.

Os distribuidores farmacêuticos já operam segundo práticas rigorosas, alinhadas com as Boas Práticas de Distribuição e princípios de gestão de risco, estando preparados para cumprir as exigências do novo enquadramento.

Compromisso com a saúde pública

Mais do que um reconhecimento simbólico, o estatuto de entidade crítica representa um compromisso político e ético com a continuidade do acesso a medicamentos, mesmo em tempos de crise. Para que este reconhecimento se traduza em benefícios concretos, é essencial que os operadores da distribuição farmacêutica sejam formalmente identificados e designados como entidades críticas no quadro nacional, bem como identificadas as suas respetivas infraestruturas críticas.

Para isso, a Comissão de Planeamento de Emergência da Saúde deve propor ao Conselho Nacional de Planeamento Civil de Emergência a designação dos distribuidores farmacêuticos de serviço completo, com base na sua relevância territorial e capacidade de resposta. Após a designação, os operadores deverão submeter os seus planos de resiliência e avaliações de risco, nomear agentes de ligação e articular-se com o Secretário-Geral do Sistema de Segurança Interna.

Por fim, é crucial que as políticas públicas acompanhem este processo com medidas de valorização económica e operacional, garantindo que os distribuidores farmacêuticos possam beneficiar plenamente do estatuto de entidade crítica — com acesso reconhecido e prioritário a recursos, proteção institucional e integração nos planos nacionais de emergência. Só assim será possível assegurar, mesmo em contextos adversos, o fornecimento seguro e eficiente de medicamentos à população.

Laura Ribeiro

Diretora da Qualidade e Assuntos Regulamentares da OCP Portugal