Radiofarmácia: Na vanguarda da Medicina Personalizada 1615

A Radiofarmácia combina inovação científica com prática clínica. Este artigo, elaborado pelo Grupo de Interesse em Radiofarmácia apresenta uma síntese do papel estratégico dos radiofármacos na medicina personalizada, destacando as unidades hospitalares, o conceito de teranóstica e os desafios regulamentares associados à sua produção.

O que é a Radiofarmácia?

A Radiofarmácia é uma área específica das Ciências Farmacêuticas que lida com o desenvolvimento, preparação e controlo de qualidade de medicamentos radioativos — os radiofármacos. Estes medicamentos combinam um componente farmacológico com um radionuclídeo, permitindo aplicações tanto diagnósticas como terapêuticas, especialmente em doenças oncológicas, neurológicas, entre outras.

O papel da radiação nos radiofármacos

Ao contrário dos fármacos convencionais, os radiofármacos têm uma particularidade: a sua ação não depende apenas da interação química com um alvo biológico, mas também da radiação ionizante emitida pelo radionuclídeo. O princípio ativo leva o radiofármaco até ao tecido-alvo e a radiação atua localmente, seja para gerar imagem e, consequentemente, contribuir para o diagnóstico (ex: PET, SPECT), seja para induzir efeitos terapêuticos (ex: destruição celular).

Teranóstica: precisão no diagnóstico e na terapêutica

A teranóstica é uma das abordagens mais inovadoras e promissoras da Medicina Nuclear, ao integrar diagnóstico e terapia numa única estratégia clínica. O conceito assenta na utilização da mesma molécula transportadora — geralmente um peptídeo ou ligando específico — marcada com dois radionuclídeos distintos: um emissor de radiação para diagnóstico por imagem (como o ⁶⁸Ga) e outro com propriedades terapêuticas (como o ¹⁷⁷Lu ou o ²²⁵Ac). Esta dualidade permite selecionar o doente certo, com a dose certa, no momento certo e com o agente certo, promovendo uma intervenção personalizada, eficiente e segura.

Curiosamente, esta lógica clínica não é nova em Portugal. Já em 1953, o Instituto Português de Oncologia de Lisboa (IPO) inaugurava o Laboratório de Isótopos, sendo pioneiro no tratamento de doenças da tiroide com iodo-131 (¹³¹I) — uma aplicação precoce do que hoje reconhecemos como um verdadeiro exemplo de teranóstica.

Unidades de Radiofarmácia: centros hospitalares estratégicos

As unidades de radiofarmácia hospitalar são instalações altamente especializadas onde se realizam a preparação, controlo de qualidade e dispensa de radiofármacos. São postos em prática, entre outros, os princípios de assepsia na preparação de fármacos, bem como de radioproteção. Estas unidades devem funcionar respeitando diretrizes nacionais e internacionais, como as estabelecidas pela EMA, EANM, INFARMED, AIEA e pela Ordem dos Farmacêuticos.

A libertação do lote de radiofármacos deve ser assegurada por um farmacêutico especialista, preferencialmente com formação em radiofarmácia, garantindo a conformidade com os requisitos técnicos, regulamentares e de segurança do doente. Reconhecendo esta necessidade, foi recentemente criado na Ordem dos Farmacêuticos o Grupo de Interesse em Radiofarmácia, com o objetivo de desenvolver um Guia de Boas Práticas em Radiofarmácia e de definir as competências específicas nesta área, assegurando assim a correta formação e qualificação dos farmacêuticos envolvidos.

Harmonização europeia: um desafio por resolver

Atualmente, a preparação de radiofármacos à escala reduzida (“in house”) varia bastante entre países europeus. O artigo Radiopharmaceutical small-scale preparation in Europe (2023) salienta a falta de uniformidade e a dificuldade em estabelecer critérios harmonizados.

É importante a elaboração de diretrizes mais claras e consensuais ao nível da preparação de radiofármacos, de modo a melhorar a prática farmacêutica e contribuir para o desenvolvimento e inovação clínica. Exemplo do esforço feito pelos profissionais nesse sentido é a criação do Grupo de Interesse em Radiofarmácia na OF, com um dos objetivos a elaboração do Guia de Boas Práticas na Preparação de Radiofármacos.

O debate sobre as Boas Práticas de Fabrico (GMP)

Um dos temas mais debatidos na comunidade radiofarmacêutica é a obrigatoriedade ou não de aplicar Boas Práticas de Fabrico (GMP) na preparação de radiofármacos usados em investigação.

O artigo de Decristoforo et al. (2025), publicado na EJNMMI Radiopharmacy and Chemistry, sublinha que a legislação atual, nomeadamente o Anexo 3 do Eudralex Volume 4, não é clara quanto ao estatuto dos radionuclídeos — se são considerados substâncias ativas ou apenas matérias-primas. Esta ambiguidade tem consequências diretas na investigação clínica e no acesso a novos tratamentos.

Em suma, é importante um diálogo com as entidades regulatórias, no sentido de legislar permitindo preparar radiofármacos com rigorosos controlos de qualidade, mas com processos reprodutíveis, de modo a não comprometer a investigação e, em última análise, o acesso a novas terapêuticas.

Conclusão

A Radiofarmácia encontra-se no centro da transição para uma medicina mais personalizada, precisa, segura e eficaz. Para garantir que este progresso se mantém, é urgente:
– Reforçar e reconhecer o papel das unidades de radiofarmácia hospitalar;
– Atualizar e harmonizar os referenciais legais em toda a Europa;
– Flexibilizar os requisitos regulatórios sem comprometer a segurança do doente.

A evolução desta área depende do equilíbrio entre inovação científica, prática clínica responsável e regulação adaptada.

José Ignácio Muñoz e Carla Capelo

Grupo de Interesse em Radiofarmácia da Ordem dos Farmacêuticos

 

Referências

  1. Decristoforo C. et al. (2025). To be GMP or not to be – a radionuclide’s question. EJNMMI Radiopharmacy and Chemistry.
  2. Ministerio de Sanidad (2022). Orden SND/939/2022.
  3. Patt M. et al. (2023). Radiopharmaceutical small-scale preparation in Europe. EJNMMI Radiopharmacy and Chemistry.
  4. IAEA (2018). Operational guidance on hospital radiopharmacy.
  5. Radiopharmaceuticals and their applications in medicine. Int. Journal of Nuclear Medicine (2023).
  6. https://visao.pt/visaosaude/2024-04-23-teranostica-o-que-e-e-como-pode-ser-util-no-combate-ao-cancro/
  7. https://www.ipolisboa.min-saude.pt/ipo/historia/