Ordens querem mais médicos e enfermeiros a controlar emergência pré-hospitalar 383

As ordens dos médicos e enfermeiros defendem o reforço dos Centros de Orientação de Doentes Urgentes (CODU) do INEM com mais enfermeiros e médicos e a supervisão médica em todas as intervenções de emergência pré-hospitalar.

Numa proposta conjunta sobre o futuro do Sistema Integrado de Emergência Médica (SIEM) enviada na semana passada à ministra da Saúde, a que a Lusa teve acesso, as ordens defendem que deve ser feita uma análise dos locais onde a resposta de emergência com meios mais especializados seja mais frágil e instalar aí novas ambulâncias com equipas de técnicos e enfermeiros.

Médicos e enfermeiros defendem também que a intervenção de emergência médica pré-hospitalar deve acontecer sempre “sob supervisão médica” e deve estar de acordo com “tudo o que diz respeito aos atos médico e de enfermagem”.

Dizem igualmente que a intervenção técnica sob delegação de competências “é uma estratégia válida” que deve ser incentivada, “desde que com estrito controlo e supervisão hierárquica por quem controla as competências”.

Na proposta enviada a Ana Paula Martins, as duas ordens profissionais defendem que o modelo português de emergência médica tem “uma rede adequada de socorro”, mas sublinham a existência de constrangimentos estruturais – organizativos e de recursos humanos – que “têm comprometido a plena capacidade de resposta do SIEM, colocando em risco a qualidade da assistência prestada à população”.

Consideram que a prioridade nacional deve ser “o reforço e a qualificação do modelo já existente”, salvaguardando “os mais elevados padrões de qualidade e segurança clínica”.

Na diversas medidas propostas – divididas em cinco eixos -, as ordens dos médicos e dos enfermeiros lembram que os CODU são um “pilar essencial” da regulação clínica de todos os meios do SIEM e consideram fundamental adotar medidas de atratividade de retenção de recursos humanos, “nomeadamente médicos e enfermeiros”, para garantir recursos “altamente qualificados” para o desempenho da missão destes centros.

Na área do Suporte Básico de Vida (SBV), lembram que mais de 90% das chamadas para o INEM são respondidas por ambulâncias dos bombeiros e da Cruz Vermelha Portuguesa e insistem na necessidade de uniformizar a formação e condições de atuação para todos os técnicos que operam meios de SBV, garantindo equidade no acesso a todos os cidadãos.

Quanto à rede de Suporte Imediato de Vida (SIV) – formada por veículos com equipas de enfermeiros e técnicos de emergência para estabilizar as vítimas em situação de risco de vida -, as ordens defendem que é preciso analisar, a nível nacional, os locais cuja geodemografia aconselham, “por tempo de intervenção subótimo dos meios de suporte avançado de vida”, a abertura de novos meios de SIV.

Em relação à rede de Suporte Avançado de Vida – composta por Viaturas de Emergência Médica e Reanimação (VMER), que têm equipas de médico e enfermeiro – sublinham que é necessário reforçar o investimento em investigação e formação, “criando normas de intervenção clínica transversais, baseadas na melhor evidência [informação científica] e nas melhores práticas clínicas internacionais”, para garantir cuidados mais homogéneos a nível nacional.

Dizem ainda que a formação dos profissionais do INEM deve competir ao instituto “ou a entidades por este acreditadas, e que, em áreas específicas, “deve ser sujeita a certificação/auditoria de entidades cientificas internacionais”.

Sugerem a criação de programas de formação continua e avaliação de competências e manifestam-se disponíveis para colaborar na definição de critérios e modelos de intervenção formativa.

Médicos e enfermeiros consideram também que a localização e a diferenciação dos meios de socorro no terreno deve ser “sempre justificada pela geodemografia, ponderada pelo custo-beneficio associado”.

As ordens dizem que o SIEM é eficaz e reafirmam que o caminho a seguir deve ser o de reforçar e qualificar os três níveis de suporte existentes (SBV, SIV e SAV), “fortalecer os CODU e investir numa formação acreditada e continua”, para garantir uma reposta à população com “qualidade, equidade e segurança”.

Técnicos de emergência médica pré-hospitalar lamentam propostas das ordens

Associação Nacional de Técnicos de Emergência Médica (ANTEM) lamenta que as propostas das ordens dos médicos e enfermeiros perpetue um sistema que tem falhado e defende a remodelação do sistema formativo, avançando para a figura dos paramédicos.

Em declarações à Lusa a propósito das propostas das ordens dos médicos e enfermeiros relativamente ao futuro do Sistema Integrado de Emergência Médica (SIEM), o presidente da ANTEM, Paulo Paço, lamentou que as duas classes insistam em “perpetuar um sistema que tem dado provas das suas mais diversas falhas”.

Paulo Paço questiona como é que, com falta de médicos e enfermeiros nos hospitais e centros de saúde, se vai garantir mais presença destes profissionais no pré-hospitalar e defende a reformulação do sistema formativo.

“Nós entendemos que devemos abandonar o sistema formativo e adotar um sistema educativo, naquilo que é a medicina pré-hospitalar, com provas científicas um pouco por todo o mundo, assentes nos técnicos de emergência pré-hospitalar, ou nos técnicos de emergência médica e também nos técnicos avançados, numa figura que tem gerado alguma controvérsia em Portugal, que é o paramédico”, afirmou.

Paulo Paço defendeu que um maior número de pessoas formadas nestas áreas garantiria maior equidade no acesso ao suporte avançado de vida, considerando que “neste momento não se verifica. O número de veículos capazes de suporte avançado de vida e até mesmo de suporte intermédio de vida, ou imediato, como costumam chamar, fica muito aquém”.

O presidente da ANTEM exemplificou com os relatórios do INEM que indicam terem ficado no ano passado mais de 20 mil pessoas sem acesso a um socorro mais especializado.

Em declarações à Lusa, o presidente da Sociedade Portuguesa de Emergência Pré-Hospitalar também questionou as propostas das ordens dos médicos e enfermeiros para a área da formação, afirmando que “as ordens não têm de validar programas de educação que já estão validados internacionalmente”.

Dando como exemplo os Estados Unidos – “o país pioneiro” nesta área – , Carlos Silva disse que “a arte e a ciência daquilo que se faz na rua passa pelas mãos de paramédicos com muita experiência, portanto, não compete à ordem dos médicos, nem compete à ordem dos enfermeiros, validar aquilo que já está validado anteriormente por pessoas com muito mais competência nesta área”.

Segundo Carlos Silva, “Portugal tem um socorro de má qualidade” e precisa de “um serviço médico de emergência eficaz”, que só será possível com “técnicos de emergência médica devidamente qualificados, que terão de estar forçosamente nos bombeiros”, que juntamente com a Cruz Vermelha respondem a mais de 85% dos casos.

O presidente do Sindicato dos Técnicos de Emergência Pré-Hospitalar (STEPH) disse que as propostas de médicos e enfermeiros têm “um ‘delay’ de cerca de 10 anos”.

“Já há 10 anos, pelo menos, existem mais níveis de intervenção, nomeadamente os técnicos de emergência pré-hospitalar, que prestam hoje cuidados de emergência médica diferenciados, nas mais de 60 ambulâncias do INEM e nos 12 motociclos. Aparentemente, nesta nota conjunta, isso foi ignorado, falando apenas dos níveis de suporte básico de vida, suporte imediato de vida e suporte avançado”, disse Rui Lázaro.

O responsável lembra que os técnicos de emergência pré-hospitalar “são os profissionais em Portugal que mais formação têm em emergência médica, inclusive mais (…) do que os próprios médicos e, sobretudo, do que os enfermeiros”.

Quanto ao Suporte Imediato de Vida – uma rede de ambulâncias com equipas de técnicos e enfermeiros -, sublinhou que esta resposta surgiu em 2007.

“Pegaram em profissionais de saúde que estavam educados para trabalhar em contexto hospitalar e nos centro de saúde, deram-lhes um mês de formação e colocaram-nos a fazer emergência hospitalar”, disse.

Rui Lázaro lembrou que houve, em 2016, uma aposta nos Técnicos de Emergência Pré-Hospitalar (TEPH) e recordou que o INEM assinou a semana passada um protocolo com as escolas médicas para externalizar a formação dos TEPH para as escolas médicas.

Recordou ainda a necessidade de “capacitar quem faz mais de 85% do serviço em Portugal” – bombeiros e Cruz Vermelha – “para prestar cuidados diferenciados em todas as ambulâncias do sistema”, algo que diz ter sido “esquecido” nesta proposta conjunta de médicos e enfermeiros.

O presidente do STEPH defendeu que a função das ordens profissionais “é regular e fiscalizar o exercício de uma profissão”, considerando que nas propostas que apresentaram “estão a extravasar as suas competências”