O tudo e o nada da covid-19 330

O TUDO E O NADA DA COVID-19
Informação e Comunicação – Para que vos quero ?

É bom que tenhamos consciência que sempre que experienciamos mudanças no nosso estilo de vida, a qualidade dos dados fica afetada. A hierarquia de valores sofre um tsunami e o dia-a-dia vira desassossego. Este surto viral – ao que tudo indica oriundo de terras do Oriente – ao tornar-se rápidamente sistémico provocou forte disrupção no nosso histórico de dados o que explica o impacto nos nossos processos de tomada de decisão. De todos, políticos e não políticos, técnicos de saúde, investigadores, cidadãos com e sem formação. De um dia para o outro o medo entranhou-se de forma transversal e as perguntas empilhavam-se: Mas o que é isto? E agora? O que fazemos? Como fazemos? E quando é que isto acaba? Será que vou morrer disto?

Sabendo que vivemos numa sociedade orientada a dados (data-driven), só o facto deste Novo Normal não poder beneficiar de dados “fiáveis” como antes da crise, explica em grande parte o momento de não-respostas. De défice de soluções. Da parte dos políticos e das autoridades de saúde. Também de cientistas e jornalistas

E é aqui que deveriam ter subido ao palco as figuras da INFORMAÇÃO e da COMUNICAÇÃO !
INFORMAÇÃO essencialmente vinda dos media. De uma forma avassaladora privilegiaram o discurso melodramático dos números “negros”, somando pânico ao medo inicial. A verdade é que nem sequer os indicadores registados assim aconselhavam. Um exemplo real: o total de mortes por Gripe sazonal em Portugal na época 2017/18 foi de 3.700 e de 3.331 na época de 2018/19. E o número de mortes por COVID19 à data da 1ª semana de Junho 2020 é de 1.436 ! Alguém se lembra dos números de mortes por Gripe sazonal, serem abertura sistemática de todos os noticiários de todos os canais de TV ? Mas todos se lembram dos novos protagonistas desta triste telenovela. Comentadores e mais comentadores, médicos, autarcas e outros políticos (quase) todos desejosos de subir ao palco para (ainda que bem intencionados certamente) opinarem ou simplesmente “acharem”. De um dia para o outro todo o mundo virou epidemiologista, virologista, especialista. Por isso digo que a Informação não foi cuidada!

Este é o ponto. Vivemos tempos de crescente intranquilidade porque se é verdade que nunca tantas pessoas tiveram acesso fácil a tanto conhecimento, também é bem verdade que cada vez é maior o número de pessoas resistentes a (re)aprender seja o que for. Reconheço que a Internet proporcionou que muitas pessoas pudessem sair do estádio de “desinformadas”. E isso é bom. Mas interrogo-me se muitos não terão já evoluído para o nível dos “mal informados” sem que disso tenham consciência. Receio até que a “enxurrada de desinformação” que nos acompanha nesta pandemia, já seja um “sinal”. O ruído é ensurdecedor e a pegada é brutal !

Eu não sou jornalista mas ainda guardo memória de quando no início dos anos 90 um grupo de professores da Universidade da Califórnia – sempre apoiados pela media – fazia o seu caminho, contrariando a ideia da maioria da comunidade médica que dizia poder ser o VIH o vírus responsável pela SIDA. E enquanto os cientistas aperfeiçoavam o conhecimento desse novo vírus, os técnicos de Saúde Pública iniciavam planos de contenção à transmissão do vírus. Aquele movimento “anti-ciência” ainda foi responsável por muitas mortes até a investigação clínica fazer prova das suas premissas e apresentar os fármacos antri-retrovirais que colocariam a SIDA no lote das doenças crónicas. Um exemplo desse impacto nefasto, ficou bem identificado nas decisões do então presidente da África do Sul (Thabo Mbeki) que defendia que a SIDA não seria causada por um vírus, mas sim ser consequência de desnutrição. Por isso rejeitou a oferta de medicamentos e outros planos de contenção para combater a transmissão. Resultado deste negacionismo sobre a SIDA? 300 mil mortes e nascimento de 35.000 crianças seropositivas, segundo relatórios da Harvard School of Public Health. Alguns autores preconizam que esta tendência para ignorar “a voz da ciência” pode no limite minar a vida democrática. Com efeito, uma rápida passagem pelas redes sociais permite-nos ver que a maioria dos internautas não está realmente interessada em discutir ideias, questionar estratégias. O que importa mesmo é discutir, desconversar e claro está fulanizar. Os cidadãos parecem até não entender a diferença entre um especialista/cientista e um decisor político que é eleito para decidir. Também aqui a nossa convivência nos últimos 3 meses tem sido “exemplar” quanto à dificuldade (ou será incompetência ?!) registada na media para fazer as perguntas certas e obter as respostas adequadas à situação: Esclarecer e Informar a partir dos dados reais para produzir mais Conhecimento que inspire confiança nas pessoas. Não especular seria de elementar bom senso!

E é aqui que entra o CONHECIMENTO. Não aquele tipo de conhecimento empírico que resulta essencialmente da experiência pessoal, sem método, de valor muito subjetivo e por isso muito usado pelos fazedores de “previsões”. Mas antes o Conhecimento científico que basicamente utiliza a observação e a experimentação. Ao utilizar o “método científico”, o investigador ou cientista obriga-se a seguir um conjunto de etapas que passam por alinhamento de pressupostos, formulação de uma hipótese, execução de testes, análise de resultados e elaboração da Teoria. Assim se questionam conhecimentos anteriores, resolvem problemas ou produzem novos conhecimentos. Fica pois mais fácil entender a dificuldade de muitos cientistas em responder objetivamente a perguntas de jornalistas sobre “previsões” já que as matérias ainda em estudo (perfil e comportamento do novo coronavirus) poderiam alterar os pressupostos iniciais e induzir cenários diferentes a cada dia. Apesar de eu pensar que a maioria dos cientistas e investigadores não reúne as melhores skills para explicitar em público todas as suas dúvidas sistemáticas e o impacto que as mesmas podem ter na vida das populações, há que saber comunicar o conhecimento. Solução ? Ou aprendem essas técnicas ou encontram um especialista em comunicação para o fazer.

Conclusões de futuro: Vivemos numa sociedade que beneficia do acesso fácil e rápido de todos à informação. E isso é um sinal vital da vida democrática pois consagra que todos têm direito de exprimir a sua opinião. Mas às vezes até parece que a mínima instrução que se obtém é o ponto de chegada, quando deveria ser o ponto de partida, da Educação. Uma coisa são peritos, investigadores ou especialistas da área da ciência. Espera-se deles que saibam produzir conhecimento. Outra coisa são educadores ou professores. E deles espera-se que informem, explicitem o conhecimento e ensinem as pessoas a pensar para só depois opinar. Então e os jornalistas ? O que espero deles ? Que a partir de factos saibam produzir Informação. Que deixem a ficção para os escritores. E que ajudem a distinguir a ignorância da aprendizagem !

LUIS VASCONCELOS DIAS
Pharma & Healthcare Consultant
lvd.labmarkconsulting@gmail.com