O Instituto Nacional de Estatística divulgou recentemente os dados da Conta Satélite da Saúde para 2024, que permitem identificar as fontes de financiamento do sistema de saúde. A despesa total atingiu mais de 29 mil milhões de euros (10,2% do PIB), um valor elevado, mas alinhado com os padrões internacionais. Esta despesa tem três origens principais: mecanismos obrigatórios de proteção financeira (despesa pública financiada por impostos), mecanismos voluntários (seguros de saúde e subsistemas) e pagamentos diretos das famílias no momento do acesso aos cuidados. Os números de 2024 permitem-nos avaliar estas três dimensões e identificar três paradoxos.
O primeiro paradoxo relaciona-se com a despesa pública, que cresceu 81% entre 2014 e 2024. Em 2024, pela primeira vez desde 2020, o crescimento anual da despesa pública (10%) superou o da despesa privada (7%). Este fenómeno ocorreu apenas em 10 dos últimos 25 anos. Como resultado, o Estado financiou 65% da despesa total em saúde, um aumento face a 2023. Paradoxalmente, este reforço do financiamento público tem coexistido com sinais crescentes de dificuldade de acesso ao SNS. Esta contradição levanta questões sobre a eficiência da despesa pública e a necessidade de maior foco na gestão, produtividade e “efeitos preço” (como salários e inovações). A discussão sobre financiamento não pode dissociar-se da discussão sobre a gestão no SNS.
O segundo paradoxo diz respeito aos seguros de saúde. Em 2024, a despesa financiada por seguros aumentou 17% face ao ano anterior. Estima-se que cerca de um terço da população esteja coberta por um seguro, para além daqueles que beneficiam de subsistemas. Ainda assim, os seguros representaram apenas 5,3% do financiamento total. Esta baixa expressão pode estar associada à fraca cobertura de determinados serviços, à exclusão de populações mais velhas (com maior carga de doença) e ao facto de muitos segurados continuarem a recorrer ao SNS.
O terceiro paradoxo prende-se com os pagamentos diretos das famílias, que permanecem muito elevados apesar da existência do SNS e do crescimento expressivo dos seguros de saúde. Em 2024, os pagamentos diretos das famílias representaram 28,2% da despesa em saúde. Trata-se de um valor extremamente elevado em termos internacionais, com implicações para a equidade no acesso. Apesar disso, existe uma boa notícia: estes pagamentos são ligeiramente inferiores aos 29,3% de 2023, sendo, com exceção de 2020, os mais baixos desde 2011.
A sustentabilidade do sistema de saúde não depende apenas de quanto se gasta (ou se investe), mas de como se gasta e de quem suporta esse esforço. Em Portugal, é necessário consolidar uma trajetória de redução de pagamentos diretos das famílias, reforçando o papel dos mecanismos de proteção financeira. É também urgente clarificar o papel dos seguros de saúde no sistema de saúde, a par de reforçar a eficiência da despesa pública para que os reforços de financiamento se traduzam em melhores resultados em saúde para a população.
Eduardo Costa
Professor no Instituto Superior Técnico e especialista em Economia da Saúde




