O método Pilates e as raquialgias: (des)evidências 336

Por moda, capricho ou estratégia, comercial e/ou de afirmação profissional, o método Pilates tem vindo a submeter a Fisioterapia, bem como o mercado do exercício físico, mobilizando-nos da ilusão da intervenção meramente manual para a ilusão que se consigna na venda de uma metodologia que se pretende única e modelar. Veremos que nada justifica que a Fisioterapia, e que o Fitness, se faça representar por este modelo.
Vamos ater-nos à temática da raquialgia, porque é esta que mobiliza melhor questões metodológicas e epistemológicas que abarcam todo o campo das “terapias”. Uma visita superficial à literatura fornece-nos diversas revisões sistemáticas unânimes em concluir que o Pilates não é superior a outras formas de exercício 1-11 ou fisioterapia 9, 12, 13 no trato da raquialgia, sobretudo no longo prazo 1, 4, 5. Wells et al. 4 referem que o Pilates possui ganhos semelhantes ao da massagem. É, aliás, o fator “exercício” que parece extrapolar-se do Pilates, com benefícios, sobretudo, mais uma vez, no longo prazo; na revisão de Chou et al. 14, os autores referem que, apesar da importância do exercício, no curto prazo, a única terapia com boa evidência é o calor superficial. Outros autores comparam os efeitos do exercício com a terapia manual 15. Não podemos, decerto, esquecer a importância das intervenções locais, bem como o trato do paciente a título “individual”, se bem que é precisamente a abordagem compreensiva do paciente que nos poderá levar a sobrevalorizar a essência do “paradigma”, consequência, aliás, do papel anti-sintomático das terapêuticas, o que, de algum modo, as coloca na linha de um placebo, fator que raramente é estudado neste contexto.
Ainda relativamente ao Pilates, segundo Wells et al. 16, é a variável “postura” que parece estar mais presente nas investigações que cruzam o método com a “dor lombar”, e é também ela que nos convida mais à crença e ao dogma. Falha, ainda, grandemente, a literatura em compreender o papel da “postura” na lombalgia, se é que esta relação não a coloca como consequência da dor. Os velhos mitos, como a eficácia da natação e do reforço abdominal superficial, não parecem, já, interessar à investigação (e a (des)evidência em causa é manifesta), Mesmo o trabalho de “core” padece da mesma evidência do Pilates, e somente algumas revisões o dispõem acima doutras formas de exercício 17-19, no tratamento da lombalgia (mas, mais uma vez, apenas no curto prazo). É o “movimento” que comunica as metodologias locais com as coletivas, as anti-sintomáticas com as “psicossociais”, com as primeiras a poderem criar novos desafios às segundas, e as segundas a poderem exaurir-se para reduzir os grandes modelos aos seus ingredientes prescritivos.
Neste contexto de “círculo vicioso”, somente uma intervenção globalista, envolvendo as diversas variáveis, poderá recriar a estabilidade, convém que a literatura seja tragada ao palco ecológico do paciente como um “fim em si”, o raciocínio clínico é o grande decisor; já as abordagens “coletivas” servirão essencialmente as necessidades placebetárias, nutrindo um processo que agrada à “vanitas” do conjunto paciente-terapeuta, multiplicando o ciclo que acabará por problematizar o papel da própria Fisioterapia como coisa obrigatória, ou como algo a não compensar na guerra das virtudes terapêuticas. Se pensarmos, por exemplo, no facto de que o grosso dos estudos experimentais não possui “grupo placebo”, assomado às limitações dos estudos por questionário, bem vemos que no mundo das terapias tudo permanece por fazer, terreno onde é difícil definir o que é “falsificável” (Popper). Importa, igualmente, definir a zona de segurança das terapêuticas; os excessos do Pilates, bem como da Reeducação Postural, representam as hegemonias dogmáticas que, na medida em que placebetizam, disfarçam a zona do desastre, e este viático de ilusões contamina, tal-qualmente, o terapeuta, prenhe de necessidades.
É fundamental que a “postura” seja respeitada no seu “ciclo vital”, reconhecendo, nela, os ingredientes com que se fará “totalidade” e se imprimirá o palco do “comum” científico, do “ethos”, reduzindo o contexto de “distress” físico e psicossocial. Só depois poderá esse terreno nomotético, clínico, passar a atuar a nível grupal, dum modo assaz seguro, parcimonioso, ressalvando o conjunto dos elementos que permitem compatibilizar o equilíbrio postural com a índole de uma harmonia fisiológica, no que à gestão da dor respeita. Este trabalho implica um recuo e um respeito clínico que uma Fisioterapia concedida ao “Fitness” não contempla. Quando o raciocínio dialético, a fenomenologia clínica, se arvora na simplicidade grotesca que atualmente se verifica, perde-se definitivamente o fulcro, estando esta Fisioterapia destinada a jogar o “puzzle” inesgotável de um “eterno retorno” que a perde e vulgariza. É preciso recuperar o seu aspeto de “fisiologia da dor”, drenando o palco de variáveis parasitas e intermitentes, e só depois se deve encimar o produto com o capital de variáveis psíquicas que, a não serem bem geridas, se destinam a modificar o “foco” da violência psicossocial.

Referências bibliográficas

1. Lim E, Poh Ri, Low Ai, Wong W. Effects of Pilates-based exercises on pain and disability in individuals with persistent nonspecific low back pain: A systematic review with meta-analysis. J Orthop Sports Phys Ther. 2011;41(2):70-80. doi: https://www.jospt.org/doi/10.2519/jospt.2011.3393
2. Pereira L, Obara K, Dias J, Menacho M, Guariglia D, Schiavoni D, Pereira H, Cardoso J. Comparing the Pilates method with no exercise or lumbar stabilization for pain and functionality in patients with chronic low back pain: systematic review and meta-analysis. Clin Rehabil. 2012;26(1):10-20. doi: 10.1177/0269215511411113.
3. Miyamoto G, Costa L, Cabral C. Efficacy of the Pilates method for pain and disability in patients with chronic nonspecific low back pain: a systematic review with meta-analysis. Braz J Phys Ther. 2013;17(6):517-32. doi: 10.1590/S1413-35552012005000127.
4. Wells C, Kolt G, Marshall P, Hill B, Bialocerkowki A. The effectiveness of Pilates exercise in people with chronic low back pain: a systematic review. PLoS One. 2014;1;9(7):e100402. doi: 10.1371/journal.pone.0100402. eCollection 2014.
5. Patti A, Bianco A, Paoli A, Messina G, Montalto M, Bellafiore M, Battaglia G, Iovane A, Palma A. Effects of Pilates exercise programs in people with chronic low back pain: a systematic review. Medicine (Baltimore). 2015;94(4):e383. doi: 10.1097/MD.0000000000000383.
6. Yamato T, Maher C, Saragiotto B, Hancock M, Ostelo R, Cabral C, Costa L, Costa L. Pilates for low back pain: Complete republication of a cochrane review. Spine (Phila Pa 1976). 2016;41(12):1013-1021. doi: 10.1097/BRS.0000000000001398.
7. Lin HT, Hung WC, Hung JL, Wu PS, Liaw LJ, Chang JH. Effects of pilates on patients with chronic non-specific low back pain: a systematic review. J Phys Ther Sci. 2016;28(10):2961-2969. doi: 10.1589/jpts.28.2961.
8. Joyce A, Kotler D. Core Training in Low Back Disorders: Role of the Pilates method. Curr Sports Med Rep. 2017;16(3):156-161. doi: 10.1249/JSR.0000000000000365.
9. He B, Jiang P, Zhang X. Meta-analysis of the efficacy of Pilates exercises in the treatment of non-specific low back pain. Social Medicine Health Management. 2022;3,1:36-48. doi: 10.23977/socmhm.2022.030108.
10. Wong C, Rugg B, Geere JA. The effects of Pilates exercise in comparison to other forms of exercise on pain and disability in individuals with chronic non-specific low back pain: A systematic review with meta-analysis. Musculoskeletal Care. 2023;21(1):78-96. doi: 10.1002/msc.1667.
11. Eleftherios P, Ilia K. The effectiveness of clinical Pilates in adults with chronic low back pain. International Journal of Health Sciences and Research. 2023;13(11):380-396.
12. Aladro-Gonzalvo A, Araya-Vargas G, Machado-Díaz M, Salazar-Rojas W. Pilates-based exercise for persistent, non-specific low back pain and associated functional disability: a meta-analysis with meta-regression. J Bodyw Mov Ther. 2013;17(1):125-36. doi: 10.1016/j.jbmt.2012.08.003.
13. Martini J, Ferreira G, Xavier de Araujo F. Pilates for neck pain: A systematic review and meta-analysis of randomised controlled trials. J Bodyw Mov Ther. 2022;31:37-44. doi: 10.1016/j.jbmt.2022.03.011.
14. Chou R, Huffman H; American Pain Society; American College of Physicians. Nonpharmacologic therapies for acute and chronic low back pain: a review of the evidence for an American Pain Society/American College of Physicians clinical practice guideline. Ann Intern Med. 2007;147(7):492-504. doi: 10.7326/0003-4819-147-7-200710020-00007.
15. Hayden J, Ellis J, Ogilvie R, Malmivaara A, van Tulder M. Exercise therapy for chronic low back pain. Cochrane Database Syst Rev. 2021;28;9(9):CD009790. doi: 10.1002/14651858.CD009790.pub2.
16. Wells C, Kolt G, Bialocerkowski A. Defining Pilates exercise: a systematic review. Complement Ther Med. 2012;20(4):253-62. doi: 10.1016/j.ctim.2012.02.005.
17. Wang XQ, Zheng JJ, Yu ZW, Bi X, Lou SJ, Liu J, Cai B, Hua YH, Wu M, Wei ML, Shen HM, Chen Y, Pan YJ, Xu GH, Chen PJ. A meta-analysis of core stability exercise versus general exercise for chronic low back pain. PLoS One. 2012;7(12):e52082. doi: 10.1371/journal.pone.0052082.
18. Gomes-Neto M, Lopes J, Conceição C, Araujo A, Brasileiro A, Sousa C, Carvalho V, Arcanjo F. Stabilization exercise compared to general exercises or manual therapy for the management of low back pain: A systematic review and meta-analysis. Phys Ther Sport. 2017;23:136-142. doi: 10.1016/j.ptsp.2016.08.004.
19. Nwodo O, Ibikunle P, Ogbonna N, Ani K, Okonkwo A, Eze C, Onwudiwe C, Ezeja G, Maduanusi I. Review of core stability exercise versus conventional exercise in the management of chronic low back pain. Afr Health Sci. 2022;22(4):148-167. doi: 10.4314/ahs.v22i4.19.

Fisioterapeuta e escritor