Motivação e Conhecimento dos Farmacêuticos Comunitários Portugueses para a Notificação de Suspeitas de Reações Adversas a Medicamentos: Um Estudo Transversal 176

Motivation and Knowledge of Portuguese Community Pharmacists Towards the Reporting of Suspected Adverse Reactions to Medicines: A Cross-Sectional Survey

Ferreira-da-Silva R, Alves JM, Vieira C, et al. Motivation and Knowledge of Portuguese Community Pharmacists Towards the Reporting of Suspected Adverse Reactions to Medicines: A Cross-Sectional Survey [published online ahead of print, 2022 Nov 19]. J Community Health. 2022;1-14. doi:10.1007/s10900-022-01168-3

Enquadramento

As farmácias comunitárias são reconhecidas pela sua extensa capilaridade no território nacional, tornando-se muitas vezes o primeiro e único serviço de saúde disponível em determinadas zonas geográficas. Segundo o Observatório da Empregabilidade do Setor Farmacêutico, em 2018, 29,3% dos farmacêuticos portugueses trabalhavam em farmácia comunitária1. Nas farmácias comunitárias a relação com os utentes é, habitualmente, muito próxima e feita com carácter regular2-5.

O farmacêutico comunitário assegura um conjunto de cuidados farmacêuticos, entre os quais o seguimento farmacoterapêutico, na promoção da adesão à terapêutica, na monitorização da efetividade e segurança dos medicamentos, incluindo neste último, a identificação de potenciais reações adversas a medicamentos (RAM). Ainda assim, há ampla evidência na literatura relativamente à subnotificação por parte dos profissionais de saúde e, em particular, entre os farmacêuticos comunitários6-9.

Objetivos

Este estudo teve como objetivo avaliar a motivação e conhecimento dos farmacêuticos comunitários do distrito do Porto, relativamente à notificação espontânea de RAM.  Adicionalmente, pretendeu-se gerar evidência de vida real sobre os principais fatores que determinam a notificação de RAM e descrever potenciais melhorias ao atual procedimento de notificação espontânea em farmácia comunitária.

Metodologia

Entre abril e julho de 2021, 220 farmacêuticos comunitários do distrito do Porto foram inquiridos. Este estudo, de natureza transversal, foi desenhado e implementado por uma equipa de investigadores de médicos e farmacêuticos que trabalham na área da farmacovigilância.

O questionário, também baseado na literatura científica já publicada anteriormente, centrou-se em três grandes dimensões: (i) dados sociodemográficos, (ii) motivação associada ao ato de notificação de suspeitas RAM e (iii) conhecimento sobre o Sistema Nacional de Farmacovigilância (SNF). Foi considerada a seguinte estrutura do questionário: duas questões relativas a critérios de elegibilidade; cinco questões sociodemográficas para caracterização da amostra (género, idade, grau académico, título de especialista em farmácia comunitária e número de anos de experiência profissional); quatro questões acerca dos hábitos de notificação de suspeitas de RAM; 35 questões em escala de Likert sobre a concordância do inquirido sobre a sua motivação para notificar suspeitas de RAM (que variava entre 1 [“descordo completamente”] até 5 [“totalmente de acordo”]); sete questões em escala de Likert sobre a concordância do inquirido sobre medidas que podem contribuir para aumentar a notificação de suspeitas de RAM; e uma questão aberta (“Se tivesse a oportunidade de fazer a diferença no ato de notificação de suspeitas de RAM, o que faria?”).

O questionário foi testado numa amostra de dez farmacêuticos comunitários com atividade profissional fora do distrito do Porto, de diferentes localizações geográficas, idade, género, estudos académicos (pré e pós-bolonha), grau de especialista em farmácia comunitária pela Ordem dos Farmacêuticos (OF) e anos de atividade profissional.

O estudo foi divulgado por e-mail pela OF a cada três semanas num total de oito e-mails por farmacêutico. Adicionalmente, foi também divulgado online por outros media digitais, tal como a Netfarma.

Do total de farmacêuticos inquiridos, a sua maioria foram mulheres (85,5%), com mestrado integrado em Ciências Farmacêuticas (52,3%), não especialistas em farmácia comunitária pela OF (85,9%), e com uma experiência profissional de 11 ou mais anos (59%). A média de idades dos inquiridos foi de 38.2 ± 9,55 anos. O perfil de notificação dos inquiridos revela que 45,9% já reportaram pelo menos uma suspeita de RAM e 41,6% têm o hábito de notificar. Considerando o ato de notificar, 64,4% relevaram não ter dificuldade em fazê-lo.

A análise dos resultados das 35 questões sobre a motivação para notificar suspeitas de RAM, teve por base apenas 217 questionários dos 220 elegíveis, dado que três dos inquiridos não responderam a pelo menos uma das seguintes questões do questionário: “Já notificou alguma vez uma RAM?”; “Habitualmente notifica RAM?”. Estas questões serviram de base para a estratificação dos inquiridos em dois grupos de análise: nos notificadores não habituais (n=175) e nos notificadores habituais (n=42). Os 217 inquiridos responderam na totalidade às 35 questões.

Com base nos resultados que demonstraram significância estatística, os notificadores habituais parecem estar mais familiarizados com o SNF do que os não habituais (3[3,4] vs 4[3,5], respetivamente; p=0,022), com o Portal RAM para notificação de suspeitas de RAM (3[2,5,4] vs 4[3,5], respetivamente; p=0,007) e a evolução do conceito de RAM (3[2,4] vs 4[3,5], respetivamente; p=0,010). Além disso, os notificadores habituais parecem ser mais proativos em questionar os utentes acerca de suspeitas de RAM (4[3,4] vs 4[4,5], respetivamente; p<0,001) e relatam ter autoconhecimento para conseguir identificar suspeitas de RAM (4 [3,4] vs 5[4,5], respetivamente; p=0,002). Por outro lado, os notificadores não habituais parecem ser mais relutantes em serem julgados pelos casos que notificam ao SNF (2[1,3] vs 1[1,2], respetivamente; p=0,037). Para estas dimensões que demonstraram significância estatística, procurou-se entender a influência de outras variáveis relacionadas com o conhecimento e as atitudes dos farmacêuticos comunitários. Para um nível de significância de 0,05, observou-se uma associação estatisticamente significativa entre os anos de experiência profissionais e o item sobre o conhecimento acerca da evolução do conceito de RAM. Os farmacêuticos comunitários com 4-10 e 11-20 anos de atividade profissional apresentaram scores mais baixos sobre a evolução do conceito de RAM, comparativamente com < 1, 1-3 e > 20 anos de atividade profissional (27,77% e 27,27% de respostas negativas, respetivamente, em comparação com 16,67–21,57% nas demais faixas de experiência profissional).

Os inquiridos neste estudo foram também questionados, em pergunta aberta, acerca de potenciais oportunidades de melhoria do SNF. Entre as propostas apresentadas, destacam-se a simplificação e otimização do ato de notificação; a integração do formulário de notificação nos sistemas de informação da farmácia; a implementação de programas de capacitação do farmacêutico na área da farmacovigilância; a necessidade de feedback por parte do SNF para cada caso notificado; e o feedback sobre o impacto da notificação do ponto de vista regulamentar.

Considerações finais

A problemática da subnotificação de suspeitas de RAM não é um problema exclusivamente português, europeu ou da classe profissional dos farmacêuticos. Com o contributo e esforço dos profissionais de saúde, é desejável que essa tendência de subnotificação não seja crescente, ainda que seja certo que os medicamentos hoje colocados no mercado têm um perfil de segurança mais robusto que no passado.

O estudo realizado pela Unidade de Farmacovigilância do Porto da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto concluiu que existem diversos fatores associados à subnotificação de suspeitas de RAM, e que várias intervenções podem ser implementadas para contrariar essa tendência.

 

Intitulado “Motivation and Knowledge of Portuguese Community Pharmacists Towards the Reporting of Suspected Adverse Reactions to Medicines: A Cross-Sectional Survey”, o estudo é da autoria de Renato Ferreira da Silva, João Miguel Alves, Carina Vieira, Ana Marta Silva, Joana Marques, Manuela Morato, Jorge Junqueira Polónia e Inês Ribeiro Vaz, e contou com o CINTESIS – Centro de Investigação em Tecnologias e Serviços de Saúde e a Faculdade de Farmácia da Universidade do Porto.

 

Referências

  1. Farmacêuticos Od. Estudo da empregabilidade: do ensino à profissão farmacêutica. 2022. https://www.ordemfarmaceuticos.pt/fotos/editor2/Newsletter/Documentos/Apresentacao_Estudo_Empregabilidade_2018_12_Fev_2019_2.pdf
  2. Herdeiro MT, Ferreira M, Ribeiro-Vaz I, Junqueira Polónia J, Costa-Pereira A. The Portuguese Pharmacovigilance System. Acta Médica Portuguesa. 08/30 2012;25(4):241-249. doi:10.20344/amp.67
  3. Duarte M, Ferreira P, Soares M, Cavaco A, Martins AP. Community pharmacists’ attitudes towards adverse drug reaction reporting and their knowledge of the new pharmacovigilance legislation in the southern region of Portugal: a mixed methods study. Drugs & Therapy Perspectives. 2015/09/01 2015;31(9):316-322. doi:10.1007/s40267-015-0227-8
  4. Li R, Curtain C, Bereznicki L, Zaidi STR. Community pharmacists’ knowledge and perspectives of reporting adverse drug reactions in Australia: a cross-sectional survey. Int J Clin Pharm. Aug 2018;40(4):878-889. doi:10.1007/s11096-018-0700-2
  5. De Meestere D, Saevels J. Belgian community pharmacists’ pharmacovigilance perspective and practice. Res Social Adm Pharm. Dec 2019;15(12):1446-1452. doi:10.1016/j.sapharm.2019.01.007
  6. Herdeiro MT, Figueiras A, Polonia J, Gestal-Otero JJ. Influence of pharmacists’ attitudes on adverse drug reaction reporting : a case-control study in Portugal. Drug Saf. 2006;29(4):331-40. doi:10.2165/00002018-200629040-00004
  7. Green CF, Mottram DR, Raval D, Proudlove C, Randall C. Community pharmacists’ attitudes to adverse drug reaction reporting. International Journal of Pharmacy Practice. 2011;7(2):92-99. doi:10.1111/j.2042-7174.1999.tb00955.x
  8. Generali JA, Danish MA, Rosenbaum SE. Knowledge of and attitudes about adverse drug reaction reporting among Rhode Island pharmacists. Ann Pharmacother. Apr 1995;29(4):365-9. doi:10.1177/106002809502900404
  9. Yousuf SA, Alshakka M, Badulla WFS, Ali HS, Shankar PR, Mohamed Ibrahim MI. Attitudes and practices of community pharmacists and barriers to their participation in public health activities in Yemen: mind the gap. BMC Health Services Research. 2019/05/14 2019;19(1):304. doi:10.1186/s12913-019-4133-y