Legislativas: E se os Farmacêuticos Comunitários escrevessem o programa da Saúde? 3351

O futuro da Saúde Pública em Portugal depende da nossa capacidade de construir respostas próximas, acessíveis, sustentáveis e centradas nas pessoas. E para isso, precisamos de ouvir quem, diariamente, está ao lado da população.

E se fossem os farmacêuticos comunitários a escrever o programa da Saúde?

A pergunta é provocadora, mas necessária.

O cenário atual é conhecido. O sistema de saúde enfrenta pressões sem precedentes: aumento do envelhecimento populacional, aumento de doenças crónicas e emergentes, desigualdades persistentes no acesso, resposta insuficiente nos cuidados de saúde primários, tempos de espera elevados, suborçamentação e burocracia, escassez e desmotivação dos profissionais de saúde.

Se mudarmos a perspetiva, constatamos que vivemos um tempo de oportunidade. Os farmacêuticos comunitários, estão onde tudo começa: na prevenção, na literacia e educação para a saúde, na primeira escuta de sintomas, no aconselhamento farmacêutico, na prestação de servicos farmacêuticos diferenciados, na promoção da adesão à terapêutica, no seguimento, no apoio e conforto. Estão onde é mais difícil chegar, perto da população.

Portugal possui uma infraestrutura de saúde de proximidade incomparável na Europa, com cerca de 3000 farmácias distribuídas de forma capilar por todo o território, com elevada acessibilidade à população, com profissionais altamente qualificados, contando em média com 4 farmacêuticos por farmácia e dos quais 62% tem menos de 45 anos de idade.

As farmácias são diariamente procuradas por mais de meio milhão de utentes. São a porta de entrada informal no SNS para milhares de portugueses.

Neste contexto, os farmacêuticos comunitários, pela sua proximidade, confiança e competência, estão prontos para integrar novas soluções, para melhorar a acessibilidade ao sistema de saúde e aliviar o impacto da sobrecarga nos cuidados de saúde primários.

Um programa de saúde com assinatura de farmacêuticos comunitários

Se fossem os farmacêuticos comunitários a redigir um programa de saúde, os pilares seriam claros e alinhados com as prioridades estratégicas:

  1. Cooperação entre a Farmácia Comunitária e o SNS

Cooperação interdisciplinar, com a integração dos farmacêuticos nos diferentes níveis de cuidados de saúde e consolidando o posicionamento da farmácia comunitária como porta de entrada no sistema de saúde.

  • Contratos-programa para serviços diferenciados (vacinação, renovação da terapêutica, gestão da adesão).
  • Dispensa de medicamentos hospitalares em proximidade, em pleno funcionamento.
  • Integração de farmacêuticos comunitários nas equipas de hospitalização domiciliária, promovendo a segurança e continuidade da terapêutica no domicílio.
  • Gestão da transição de cuidados pós-alta, assegurando a reconciliação terapêutica, promovendo a adesão e a redução de reentradas hospitalares.
  1. Uma nova geração de serviços farmacêuticos
  • Administração de vacinas, com alargamento às vacinas do PNV para adultos.
  • Renovação efetiva da terapêutica crónica com base em protocolos clínicos e devidamente validados.
  • Preparação individualizada da medicação (PIM), para reforçar a adesão à terapêutica.
  • Intervenção ativa na saúde mental, incluindo rastreio, apoio psicossocial e apoio à redução do consumo de benzodiazepinas.
  • Implementação efetiva da dispensa de terapêutica PrEP e de medicamentos oncológicos com segurança e seguimento terapêutico.
  1. A Proximidade como política de saúde

Com respostas locais, serviços diferenciados e com novos modelos de intervenção.

  • Protocolos para a intervenção farmacêutica estruturada em situações clínicas ligeiras, devidamente validados e elaborados conjuntamente com a Ordem dos Médicos.
  • Participação em unidades móveis de saúde para zonas rurais, em articulação com centros de saúde e ULS.
  • Intervenções em escolas, lares, juntas de freguesia e comunidades vulneráveis.
  1. Literacia e promoção da saúde
  • Campanhas nacionais de literacia em saúde, focadas em estilos de vida saudáveis, no uso seguro e responsável do medicamento e na prevenção em saúde, incluindo promoção da vacinação.
  • Campanhas de sensibilização e de educação para a saúde em ambiente escolar, no envelhecimento ativo, na saúde mental, promovendo a saúde e o bem-estar das populações.
  • Rastreios de âmbito populacional.
  1. Valorização dos farmacêuticos comunitários
  • Reconhecimento do farmacêutico especialista em farmácia comunitária, como profissional de saúde altamente qualificado, com capacidade para prestar novos serviços diferenciados e sustentáveis, que promovam o acesso a cuidados de saúde de qualidade.
  • Criação da figura do farmacêutico de família, integrado em equipas interdisciplinares.
  • Investimento na formação contínua em áreas críticas (oncologia, cuidados paliativos, investigação clínica).
  • Valorização profissional e científica, com acesso a formação diferenciada, investigação aplicada e avaliação de tecnologias em saúde.
  • Promoção do investimento, da inovação e da investigação, enquanto pilares cruciais do avanço do conhecimento em Saúde e da melhoria contínua da qualidade e eficácia dos cuidados.
  1. Digitalização e interoperabilidade
  • Acesso seguro e justificado ao Registo de Saúde Eletrónico, para partilha de dados clínicos relevantes e respeitando o RGPD, para uma atuação informada e integrada.
  • Interoperabilidade entre sistemas informáticos do SNS e das farmácias, para reduzir a duplicação de atos, reforçar a continuidade assistencial e contribuir para a sustentabilidade do sistema de saúde.
  • Diligenciar a integração de novas tecnologias que possam contribuir para a eficácia e eficiência do SNS, nomeadamente investindo na digitalização de processos e em soluções de saúde digital.
  1. Sustentabilidade ambiental e responsabilidade social
  • Protocolos de eco-farmacovigilância e desprescrição racional.
  • Ações de sensibilização e de educação para a recolha e descarte de medicamentos, de corto-perfurantes e dispositivos médicos sobre o seu destino correto..
  • Promoção da saúde ambiental, no combate à resistência antimicrobiana e na sensibilização sobre impacto ecológico dos medicamentos.
  • Contributo ativo para os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), através da articulação entre Saúde, Agricultura e Ambiente, em linha com o princípio “One Health”.

 

Perante os desafios no acesso à saúde, os farmacêuticos comunitários reafirmam a sua disponibilidade para cooperar e ser parte ativa da solução, numa perspetiva integrada, com o objectivo de promover um programa de saúde à altura das exigências da “mudança de época” que vivemos.

Se fossem os farmacêuticos comunitários a escrever o próximo programa de saúde, Portugal ganharia uma política de saúde com foco na prevenção, mais próxima, mais integrada, mais acessível, mais sustentável, mais eficaz e centrada nas pessoas.

Os farmacêuticos comunitários estão prontos, para transformar e melhorar a jornada de saúde dos que vivem em Portugal.

 

Cidália Almeida da Silva
Presidente do Conselho do Colégio da Especialidade em Farmácia Comunitária da Ordem dos Farmacêuticos