Compreender verdadeiramente a Indústria Farmacêutica não é uma tarefa fácil: como e quando se tomam decisões estratégicas? Como se prepara o lançamento de um novo medicamento? Como é definido o preço do medicamento em diferentes mercados? Como é que um líder passa de gerir centenas de pessoas para abraçar novos desafios? A Indústria Farmacêutica é ciência, mas é também estratégia, economia e liderança.
O ciclo de Investigação e Desenvolvimento
O ponto de partida é a Investigação e Desenvolvimento, onde novas moléculas nascem e são testadas. O percurso até o medicamente chegar ao doente é longo: entre 10 a 15 anos, com custos que podem ultrapassar 2 a 4 mil milhões de euros (1). A taxa de insucesso é brutal: mais de 90% das moléculas em investigação falham antes de chegarem às fases finais de aprovação (2). O processo de desenvolvimento de um medicamento segue uma metodologia rigorosa, estruturada em várias fases e que de forma geral são:
- Fase Pré-clínica: Realização de provas de conceito em ambiente laboratorial que pode incluir modelos animais para geração de evidência relativamente à eficácia, toxicidade e farmacocinética do fármaco.
- Fase I: Estudos que se focam na avaliação de segurança posológica em poucas dezenas de voluntários doentes e saudáveis.
- Fase II: Incluem estudos de avaliação da eficácia da terapêutica em algumas centenas de doentes.
- Fase III: Desenvolvimento de estudos multicêntricos que pode incluir centenas ou milhares de doentes no sentido de avaliar a eficácia e segurança relativamente ao tratamento padrão. Os custos desta fase podem ultrapassar os 500 milhões de euros.
- Fase IV: Estudos de vida real aplicável na avaliação terapêutica a longo prazo em patologias especificas e em contexto de utilização abrangente pela população.
Cada fase de desenvolvimento exige evidência consistente, cumprimento de requisitos regulamentares e uma rede global de centros de investigação. Atualmente, a utilização de ferramentas como a Inteligência Artificial e Machine Leraning adquirem crescente relevância na transformação dos processos de pesquisa e desenvolvimento de um novo medicamento: algoritmos que identificam moléculas promissoras, ensaios adaptativos que reduzem o tempo de desenvolvimento e análise preditiva que aumenta a probabilidade de sucesso.
Portugal, embora continue a enfrentar diversos desafios que condicionam a velocidade e a escala da sua implementação, tem demonstrado um potencial crescente na captação de ensaios clínicos.
Os desafios do Acesso do Medicamento aos doentes
Com a aprovação regulamentar conclui-se que o novo medicamento possui um perfil de qualidade, segurança e eficácia benéfico, contudo é também requerida uma avaliação comparativa favorável de custo-eficácia face às opções terapêuticas existente na prática clínica de cada país no sentido de o medicamento ficar disponível aos doentes.
O acesso ao mercado representa uma vertente estratégica essencial no ciclo de vida dos medicamentos, indo muito além da simples definição de preço. Trata-se de uma ciência que integra evidência clínica, valor terapêutico e sustentabilidade económica, com o objetivo de garantir que os medicamentos chegam efetivamente aos doentes e que os sistemas de saúde conseguem absorver os seus custos de forma equilibrada. A complexidade deste processo é global e varia significativamente entre geografias, por exemplo:
- Nos Estados Unidos, existe maior liberdade na definição de preços (o que frequentemente permite que os novos medicamentos sejam introduzidos primeiro nesse mercado). No entanto, a mesma liberdade é acompanhada por uma forte pressão das seguradoras, da opinião pública e de mecanismos de avaliação de valor.
- Na Europa, coexistem modelos de comparticipação muito distintos entre países. Em Portugal, o INFARMED I.P. (3) assume um papel central na avaliação da relação custo-benefício, na referenciação de preços internacionais e na negociação das condições de acesso, assegurando que as decisões são sustentadas por evidência científica e por critérios de equidade e eficiência.
O lançamento global de um medicamento constitui um exercício estratégico de risco elevado: a seleção dos primeiros mercados para a introdução do medicamento influencia não apenas o potencial de receita, como também tem impacto direto nas dinâmicas de preço em geografias adjacentes, como no caso da Europa, onde os mecanismos de referência internacional podem originar pressões adicionais sobre os preços praticados.
Já a fase de comercialização envolve muito mais do que ações promocionais. Requer a implementação de programas de formação médica contínua, campanhas de sensibilização educacional dirigidas à população e aos profissionais de saúde, cadeias de fornecimento robustas e eficientes, bem como uma comunicação transparente e estruturada com doentes e instituições.
Liderança, Estratégia e Carreira
A Indústria Farmacêutica vai muito além da ciência e tecnologia; é, acima de tudo, uma questão de estratégia e liderança.
Para os profissionais da Indústria, compreender estas dinâmicas é mais do que essencial, é transformador. O crescimento profissional não depende apenas de competências técnicas, mas da capacidade de navegar na complexidade do sector: integrar ciência e economia, alinhar regulação com estratégia e liderar equipas diversas num cenário global e em constante evolução.
O futuro da Indústria Farmacêutica aponta para terapias cada vez mais personalizadas, modelos de acesso mais sofisticados e uma integração crescente entre os sectores público e privado da saúde. Estar preparado para esta transformação será o fator distintivo dos profissionais que irão liderar a próxima geração do sector, aqueles capazes de antecipar tendências e conseguirem alinhar inovação com valor e conduzir equipas num ecossistema competitivo.
É neste contexto que surge o Global Pharma 4 (4), um programa executivo que oferece uma visão “por dentro” das grandes empresas farmacêuticas, e que combina aprendizagem com aplicação prática num modelo “Learn & Act” baseado em casos reais. O programa liga participantes e líderes nacionais e internacionais das maiores empresas farmacêuticas globais, criando uma oportunidade única para desenvolver competências, compreender a dinâmica global do setor e aceder a uma rede de contactos altamente diferenciada.
Daniel Guedelha
Founder & CEO da GenH
danielguedelha@thegenh.com
Referências:
1 – https://www.mckinsey.com/industries/life-sciences/our-insights/fast-to-first-in-human-getting-new-medicines-to-patients-more-quickly




