Filipa Alves da Costa foi nomeada Fip Fellow, durante o 83.º Congresso Mundial de Farmácia e Ciências Farmacêuticas da Federação Internacional Farmacêutica (FIP), que se realizou em Copenhaga.
A farmacêutica é professora auxiliar com agregação na Faculdade de Farmácia da Universidade de Lisboa e investigadora associada no iMed.ULisboa, líder do grupo Public Health & Medicines Use, cuja investigação se centra nos serviços de saúde prestados por farmacêuticos e no acesso à saúde pelas populações mais vulneráveis.
Em entrevista ao NETFARMA, Filipa Alves da Costa, que trabalha atualmente como técnica especialista do Gabinete da Ministra da Saúde, revela as três áreas que considera fundamentais para, nos próximos anos, consolidar o papel do farmacêutico como agente de saúde que acrescenta valor e eficiência ao sistema de saúde
– O que representa para si ser nomeada FIP Fellow e como interpreta este reconhecimento no contexto da sua carreira?
– Para mim, ser nomeada FIP Fellow é um marco muito especial na minha carreira. Este título, criado em 2005, distingue profissionais que demonstraram liderança internacional, contribuíram para o avanço das ciências farmacêuticas e da prática profissional e serviram a FIP de forma visível. Em 20 anos, apenas 171 pessoas em todo o mundo receberam esta distinção, entre elas figuras que marcaram profundamente o meu percurso — como os Professores S.I. (Charlie) Benrimoj, Bert Leufkens e Ian Bates.
É também motivo de orgulho ver Portugal, um país pequeno, a alcançar pela quarta vez este reconhecimento. Antes de mim, foram distinguidos Ema Paulino, Luís Lourenço e Andreia Bruno-Tomé — três colegas com quem tive oportunidade de trabalhar de perto em diferentes momentos e lhes reconheço uma grande qualidade. Estar agora entre esta “elite” é, sem dúvida, uma honra e um estímulo para continuar a contribuir para a profissão.
– Quais considera terem sido os contributos mais relevantes que levaram à atribuição deste título? Há algum projeto ou iniciativa que destaque com particular orgulho?
– Julgo que o meu trabalho atual como Vice-Presidente da Secção de Farmácia Social e Administrativa da FIP teve peso neste reconhecimento. No entanto, destaco sobretudo alguns contributos concretos que me deram especial satisfação:
- Programa “train-the-trainers” no Uruguai (2005): no congresso do Cairo iniciei, com o Prof. Foppe van Mil, um projeto inovador da FIP/OMS para desenvolver boas práticas de farmácia em países em desenvolvimento. Identificámos líderes locais, adaptámos a formação às necessidades específicas e promovemos visitas a países-modelo, incluindo Portugal.
- Primeiro relatório de advocacia sobre o papel do farmacêutico na vacinação (2015): documento pioneiro que ajudou a posicionar os farmacêuticos na área da imunização.
- O toolkit para a revisão da medicação publicado em 2022 – que fornece recomendações para a prestação de um serviço diferenciado que pode optimizar o uso do medicamento.
- Framework de competências para educadores, também publicado em 2022: ferramenta que valoriza um segmento essencial da profissão — os educadores — frequentemente esquecido nas políticas assistenciais.
Estes contributos refletem a minha aposta em formar, capacitar e dar visibilidade à profissão, sempre com impacto real nos sistemas de saúde.
– De que forma este reconhecimento pode inspirar ou influenciar a prática farmacêutica em Portugal, especialmente entre os profissionais mais jovens?
– Desde que recebi esta nomeação, tenho recebido mensagens de colegas que marcaram o meu percurso, como a Prof. Margarida Caramona e a Dra. Clara Carneiro, mas também de muitos jovens, incluindo alunos meus, que são quem poderá vir a mudar o mundo.
A mensagem que gostaria de deixar é simples: com dedicação, perseverança e resiliência é possível alcançar objetivos ambiciosos. O caminho nem sempre é linear nem fácil, mas cada obstáculo traz aprendizagem. Tento transmitir isto aos jovens que trabalham comigo, especialmente aos meus doutorandos, de quem tenho muito orgulho e em quem deposito grande esperança.
Espero que este reconhecimento sirva também para inspirar outros jovens farmacêuticos, mostrando que é possível abraçar desafios em simultâneo, levá-los até ao fim e contribuir de forma significativa para a profissão, em qualquer área à qual se dediquem.
– Ser FIP Fellow implica também um compromisso com o avanço da profissão. Que áreas considera prioritárias para o desenvolvimento da farmácia nos próximos anos?
Vejo três áreas prioritárias para o desenvolvimento da farmácia:
- Ensino e formação contínua: modernizar curricula de acordo com a evolução da profissão e apostar na aprendizagem ao longo da vida. A diretiva europeia de 2024 incentiva as instituições do Espaço Europeu a reverem os seus programas e a darem um maior peso às unidades curriculares que mais se aproximam da profissão, e que se enquadram no domínio de sócio-farmácia, nomeadamente a saúde pública e a farmácia clínica; um bom exemplo de uma reestruturação análoga foi a realizada no âmbito de um programa pós-graduado da Universidade de Utrecht, premiado pela FIP este ano, que usa metodologias inovadoras centradas nas lacunas identificadas.
- Colaboração interprofissional: integrar plenamente os farmacêuticos nas equipas de saúde para responder a necessidades reais dos sistemas e dos doentes, evitando criar serviços redundantes. Em Portugal, a possibilidade de renovação da terapêutica crónica foi um exemplo claro de um serviço há muito necessário e cuja implementação está a ser bem-sucedida.
- Saúde pública: transformar a nova competência criada nesta área em prática efetiva, para que os farmacêuticos contribuam de forma palpável para políticas e ações de saúde pública que melhorem a eficiência dos sistemas de saúde. Ou seja, é preciso definir claramente quais as áreas em que o farmacêutico pode atuar adquirindo esta competência, e quais as que lhe estão vedadas na sua ausência.
Estas três áreas são fundamentais para, nos próximos anos, consolidar o papel do farmacêutico como agente de saúde que acrescenta valor e eficiência ao sistema de saúde.




