Na Farmácia Oeiras Figueirinha, responsabilidade social não é apenas um conceito, é uma prática diária que se traduz em ações concretas, próximas e transformadoras. Com três projetos submetidos ao Prémio Almofariz Intervenção na Comunidade 2024 – um deles finalista –, viu reconhecido o seu trabalho de proximidade. Mas mais do que prémios, o que motiva a equipa é o ensejo de fazer mais e melhor pela comunidade.
“Nos últimos anos, reforçámos a continuidade de projetos e designámos novos, mais construtivos e desafiantes. Tentámos que a nossa intervenção fosse o mais abrangente possível, incluindo todos os grupos etários, e estimulando o envolvimento de parceiros. Em 2023, conseguimos chegar a 3 216 pessoas, através de 71 ações dinamizadas”, adianta Ana Valério, diretora técnica da Farmácia Oeiras Figueirinha. Entre vários, destacam-se os projetos ‘Saber Cuidar’, ‘Farmácia Vai à Escola’ e ‘Marias & Manéis’.
Formar e cuidar de quem cuida
Finalista do Prémio Almofariz Intervenção na Comunidade 2024, o ‘Saber Cuidar’ é um projeto de formação em cuidados de saúde dirigido a cuidadores formais e informais, bem como aos utentes de Instituições Particulares de Solidariedade Social (IPSS), promovendo a sua capacitação e bem-estar. A Farmácia Oeiras Figueirinha aposta numa abordagem prática e próxima, com ações formativas e suporte contínuo, valorizando quem cuida e contribuindo para uma rede comunitária mais forte e atenta.
A pandemia de covid-19 suspendeu o projeto, mas não o eliminou. Em 2022/2023, foi retomado com uma nova abordagem: “Em primeiro lugar, foi feito um levantamento dos temas que suscitam maior interesse e necessidade em ser abordados, de forma a dar uma resposta mais individualizada e para que a farmácia consiga ter tempo e logística de preparação dos respetivos conteúdos. Em segundo, deu-se destaque à importância em cuidar de quem cuida, dirigindo alguns workshops especificamente à saúde e bem-estar dos voluntários cuidadores”.
O ‘Saber Cuidar’ rapidamente ganhou dimensão. Foram promovidas várias ações, entre as quais: primeiros socorros, importância do sono, hipertensão arterial, incontinência urinária, cuidados da pele no idoso, proteção solar, cuidados dos pés.
Simultaneamente, a farmácia estabeleceu uma nova parceria com o Centro Social e Paroquial de Oeiras (CSPO), uma IPSS com as valências de centro de dia, lar de idosos, jardim infantil e atividades de tempos livres (ATL). “A instituição manifestou interesse em levar o projeto aos seus cuidadores formais e, mais tarde, também aos utentes”, transmite a farmacêutica.
Junto das equipas de ambos os parceiros e dos beneficiários dos seus serviços foram realizados rastreios de saúde (pressão arterial, glicémia e colesterol, avaliação do risco cardiovascular, rastreio do pé) e proporcionada a participação em dinâmicas promovidas pela farmácia (skincare e autocuidado, spa facial, rastreio nutricional, rastreio de pele, rastreio à doença venosa crónica, caminhada solidária, entre outras).
A adesão tem sido expressiva. Entre 2023 e meados de 2024, o projeto contabilizou 21 ações de formação e 386 participantes – 129 da Associação Coração Amarelo e 257 do CSPO. “Aquando dos rastreios de saúde realizados não houve, até à data, necessidade de nenhum encaminhamento médico, contudo nas situações de identificação de parâmetros alterados foi prestado um aconselhamento farmacêutico personalizado, considerando as informações recolhidas”, esclarece.
“Um dos desafios transversais aos nossos projetos na comunidade prende-se sempre com a logística de recursos humanos, ou seja, como direcionar elementos da equipa para múltiplas ações sem afetar o normal funcionamento da farmácia e, ao mesmo tempo, garantir a rotatividade, permitindo que todos os interessados tenham a oportunidade de participar”, revela. Uma das soluções passou pela criação de um calendário anual interno de ações na comunidade e um grupo de comunicação, onde se colocam todas as ações previstas e se tenta perceber as disponibilidades e materiais necessários. “Já houve em diversas situações colaboradores a participar voluntariamente nas ações nos seus dias de folga”, enaltece.
Ana Valério, uma farmacêutica responsável pela intervenção na comunidade, Beatriz Nogueira, e uma farmacêutica gestora da responsabilidade social, Marta Teles, reúnem-se regularmente, estabelecem contactos e definem os planos e calendarização das atividades. As formações/sessões são sempre desenvolvidas por, pelo menos, dois elementos da equipa da farmácia e englobam todos os seus profissionais, desde farmacêuticos, técnicos e técnicos auxiliares de farmácia a prestadores de serviços (enfermagem, nutrição e dermofarmácia).
As perspetivas para o futuro são ambiciosas. A farmácia quer alargar o portefólio de temas, introduzir mais componentes práticas, envolver novas parcerias – como associações para a doença, fundações, médicos de especialidade, etc. – e, até, recorrer a financiamento que garanta a escalabilidade e sustentabilidade do projeto. “O ‘Saber Cuidar’ pode ser um projeto mais completo e diversificado e, de acordo com o público-alvo a que se destina, ser também mais personalizado. O nosso propósito mantém-se: formar e cuidar de quem cuida”, remata.
Ensinamentos para o resto da vida
O projeto ‘Farmácia Vai à Escola’ nasceu em 2017, mas ganhou nova vida a partir de 2022, quando passou a integrar o programa municipal Oeiras Educa+. Abrange um portefólio diversificado de temas de saúde adaptado a várias faixas etárias, que a Farmácia Oeiras Figueirinha propõe desenvolver em contexto lúdico-pedagógico, nos espaços escolares do ensino pré-escolar ao secundário do concelho.
As sessões englobam temas como a alimentação saudável, a higiene oral, os primeiros socorros, a pediculose, o sono, o acne, o tabagismo, a contraceção e as infeções sexualmente transmissíveis, a saúde mental e emocional. “Visa potenciar a literacia em saúde e estimular o pensamento crítico e construtivo para a adoção de comportamentos saudáveis que atuem na prevenção da doença e na diminuição da sua incidência, vinculando a relação de acessibilidade e confiança com os profissionais da farmácia”, resume Ana Valério.
A resposta tem sido entusiasta. Alunos, professores e encarregados de educação pedem a repetição das sessões e sugerem novos temas. “Esta intervenção regular tem acompanhado o crescimento e o desenvolvimento da farmácia e, como tal, também se tem tornado mais exigente. O número de escolas a solicitar os projetos foi crescendo, especialmente após a pandemia, e a farmácia também sentiu a necessidade de adaptar os conteúdos, de forma a se tornarem mais apelativos, interativos e práticos”, afirma. Entre 2023 e meados de 2024, a farmácia promoveu 39 projetos nas escolas, abrangendo 1 734 participantes.
Para a equipa, este projeto é uma verdadeira missão de literacia em saúde. “Pequenas intervenções, quando bem sucedidas, conseguem ter uma repercussão instantânea, que gera ensinamentos para o resto da vida”, sublinha, certificando que “trabalhar com a comunidade escolar é desafiante, estimulante e muito gratificante”. E o caminho continua, com planos de reforço e inovação, envolvendo outras estruturas ligadas ao setor da Farmácia e ao circuito do medicamento.
Quando a saúde entra pela porta do bairro
No Bairro dos Navegadores vive-se uma realidade silenciosa. É um bairro social isolado, com poucos serviços e uma população maioritariamente idosa, descendente de cabo-verdianos. Em 2023, a Câmara Municipal de Oeiras lançou o projeto ‘Marias & Manéis’, no âmbito do seu Contrato Local de Segurança, com o objetivo de aproximar esta comunidade esquecida, combater o isolamento social e melhorar a qualidade de vida dos residentes mais idosos. A Farmácia Oeiras Figueirinha foi chamada a intervir e, desde então, nunca mais largou o grupo.
“Considerando a necessidade de proporcionar diversas atividades temáticas, o município solicitou, por intermédio do Oeiras Community Valley, do qual a farmácia é membro, a nossa colaboração para a possibilidade de disponibilidade para realizar um rastreio de saúde, bem como uma ação de sensibilização e prevenção de doenças relacionadas com a população idosa. A farmácia aceitou prontamente e sentiu que faria sentido realizar um acompanhamento mais próximo, manifestando interesse em integrar o projeto numa perspetiva regular”, recorda Ana Valério. A equipa foi recebida com entusiasmo. Logo no primeiro encontro, houve empatia, vontade de aprender e, inclusive, um susto que confirmou a necessidade de presença contínua: um dos idosos apresentou uma crise hipertensiva e foi encaminhado de imediato para o hospital.
Desde abril de 2023, a farmácia marca presença no bairro, geralmente às quartas-feiras, com ações práticas, rastreios de saúde e sessões de literacia em saúde, adaptadas à realidade de um grupo que, em grande parte, não sabe ler nem escrever. “A linguagem não pode ser muito técnica e deve ser o mais prática possível, o que envolveu a criação de novos materiais e formas de trabalho, que continuamente incitam à criatividade, imaginação e inovação”, informa. A equipa tem de recorrer a atividades práticas, jogos, imagens, esquemas de cores, simbologia, entre outros. A farmácia disponibiliza também a entrega gratuita de medicação aos elementos do grupo e em todas as ações contempla-os com brindes e amostras de produtos para oferta.
Nos últimos meses, o grupo ‘Marias & Manéis’ participou em várias atividades fora do bairro, como a Caminhada Solidária pela Saúde e as comemorações do Dia do Contrato Local de Segurança. Mas a deslocação nem sempre é fácil. “O bairro é extremamente isolado e com fraca acessibilidade por transportes públicos. Para dar oportunidade de se juntarem a nós nas diversas ações e atividades que dinamizamos na comunidade regularmente, dentro ou fora da farmácia, a sua deslocação está sempre condicionada à logística de disponibilidade de um transporte cedido pelo município e pedido com a devida antecedência”, aclara. Esta realidade “condiciona a flexibilidade e frequência de deslocação do grupo para o exterior”.
O grupo não é numeroso – em média, 11 participantes por sessão –, mas o impacto é visível. “Notamos que a nossa intervenção surte impacto nas suas vidas, quer pelas aprendizagens em saúde, pois são pessoas extremamente interessadas e participativas e com muita vontade de aprender, quer pela própria relação de amizade e confiança que têm estabelecido com a equipa da farmácia, que os visita habitualmente”, realça.
Farmácias como aliadas estratégicas da saúde pública
Ana Valério defende que as farmácias comunitárias deveriam ser mais valorizadas e apoiadas pelo Estado no âmbito das políticas de saúde de proximidade. “Somos uma rede próxima da população e a capacidade que temos de chegar a todas as pessoas posiciona-nos na linha da frente para diversas ações de rastreio e prevenção da doença”, distingue.
A diretora técnica lembra que, ao longo dos últimos anos, as farmácias já foram chamadas a intervir de forma organizada em várias frentes com impacto nacional. “Por exemplo, na vacinação contra a gripe e a covid-19, os números indicam que foi sempre uma mais-valia ter as farmácias envolvidas no processo”, frisa. E acrescenta: “Na minha opinião, a rede de farmácias deve ser vista como um local de promoção de saúde, e as suas valências podem ser utilizadas para melhorar o acesso aos cuidados de saúde de toda a população”.
A experiência da Farmácia Oeiras Figueirinha confirma esta tese. “Desde o início da nossa atividade, temos uma forma de estar na comunidade muito interventiva e próxima. Fazemos diversos projetos direcionados a diversas faixas etárias, sempre com a visão de que uma farmácia próxima da sua comunidade tem um papel muito importante na saúde de todos”, menciona.
Mas que competências são necessárias para tornar possível esta intervenção comunitária? “Mais do que competências, é preciso estar disponível para ir mais além do que é o trabalho habitual da farmácia”, responde. Por outras palavras, “sair da zona de conforto e, de forma proativa, procurar as necessidades da nossa comunidade”.
A farmacêutica destaca ainda a importância dos colaboradores. “É necessário ter uma equipa disponível e motivada, muito focada no utente, nos seus problemas e desafios”, enumera. “A equipa tem um papel fundamental em todas as atividades da farmácia, mas nestes projetos tem uma importância acrescida”, porque “implica estar disponível para ir para o terreno e para ter uma abordagem completamente diferente daquela que temos no balcão da farmácia”.
Também os parceiros certos fazem a diferença. “É preciso encontrar quem nos ajude a construir projetos sólidos, e que sejam úteis e pertinentes. No concelho de Oeiras temos alguns bons exemplos de cooperação entre entidades que se juntam no serviço à comunidade, e é também em parceria que desenvolvemos a maior parte das nossas atividades”, assinala.
Saúde mental começa em casa
Em 2024, a presença da Farmácia Oeiras Figueirinha na comunidade, através de projetos de literacia em saúde, educação e apoio social, contribuiu para a conquista do Prémio de Responsabilidade Social “Somos Heróis”, promovido pela OCP Portugal.
“O projeto é dirigido a crianças do 1º ciclo, respetivos familiares e educadores, e tem como objetivo dotá-los de ferramentas para melhor reconhecer, valorizar e gerir a sua saúde mental”, explana Ana Valério. Além da vertente educativa, o programa contempla a identificação precoce de potenciais situações de crianças com necessidades específicas no foro da saúde mental, com a respetiva referenciação para os canais adequados.
O reconhecimento não tardou a chegar: o projeto conquistou o primeiro lugar na segunda edição do Prémio Tecnigen Farmácias Comunitárias, na categoria ‘Projetos inovadores em conceito ou em desenvolvimento’. “Foi um grande incentivo! Graças a este reconhecimento, vamos conseguir passar do papel à ação e implementar este projeto, para já numa fase piloto, na nossa comunidade”, divulga.
Dez anos a crescer com a comunidade
A história da Farmácia Oeiras Figueirinha começa a 21 de novembro de 2014, no mesmo local onde já existia uma farmácia há muitos anos. “Ao longo dos últimos dez anos, fomos crescendo com a comunidade e com o objetivo de sermos um espaço de referência de saúde no concelho de Oeiras”, sintetiza Ana Valério.
O caminho tem sido feito de conquistas e envolvimento ativo com a população. “Temos, neste momento, uma equipa multidisciplinar de 20 pessoas que trabalha todos os dias com o objetivo de melhorar a saúde de todos os que nos visitam”, afiança. A farmácia oferece uma ampla gama de serviços, como a consulta farmacêutica, o serviço de preparação individualizada da medicação (PIM), o serviço de nutrição, o serviço de dermofarmácia e o apoio de enfermagem para situações mais específicas.
Ao longo desta década, a Farmácia Oeiras Figueirinha viveu alguns episódios marcantes. “O primeiro foi logo no início, quando abrimos as portas e tivemos de imediato muitos vizinhos que nos procuraram e agradeceram a nossa presença. Foi um momento de grande valorização do nosso trabalho”, anuncia a responsável. Outro marco “inesquecível” chegou com a pandemia: “Foi um período que exigiu, a todos nós, uma reorganização profunda. Tivemos de reinventar o serviço na farmácia para garantir a continuidade dos cuidados, assegurando a dispensa de medicamentos e o acompanhamento da nossa população da melhor forma”.
Mais recentemente, as comemorações do 10º aniversário da farmácia tornou-se outro ponto alto. “Foi uma semana cheia de atividades e de celebração, onde conseguimos reunir utentes e parceiros, reforçando os laços criados ao longo destes anos”, aponta.
Desenvolver uma visão de intervenção na comunidade
Quanto a futuras participações, a porta está aberta. “Com alguns projetos mais consolidados e com resultados muito positivos, poderá ser certamente uma hipótese a considerar”, admite, até porque candidatar-se “é sempre uma oportunidade de aprender um pouco mais e de desenvolver a nossa visão de intervenção na comunidade». «Aproveitamos muito para crescer com estas experiências”, conclui.
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Artigo publicado originalmente na edição #389 da revista FARMÁCIA DISTRIBUIÇÃO, na rubrica ‘Intervenção na Comunidade 2024’, destacando projetos de farmácias do país que se candidataram, no ano passado, ao Prémio Almofariz Intervenção na Comunidade by Laboratórios Azevedos.




