A Farmácia Narcisa C. Dias, em Braga, mobilizou outras 20 farmácias do concelho para um rastreio comunitário da pressão arterial, com o objetivo de detetar precocemente casos de hipertensão, reforçar a literacia em saúde cardiovascular e promover a adesão a hábitos de vida saudáveis. Finalista do Prémio Almofariz Intervenção na Comunidade em 2023 e 2024, o projeto não fica por aqui – e pode vir a crescer ainda mais.
Encerramos a rubrica ‘Intervenção na Comunidade 2024’ com uma iniciativa da Farmácia Narcisa C. Dias. Em 2023, a farmácia bracarense apresentou ao Prémio Almofariz Intervenção na Comunidade o projeto ‘Rastreio e monitorização de fatores cardiovasculares’. A nomeação como finalista, embora não tenha resultado em vitória, teve um efeito galvanizador. No início de 2024, durante a reunião com o júri, «a sugestão de expandir a ação ao âmbito municipal ficou desde logo a ecoar em nós», recorda a coordenadora do projeto, Narcisa Carvalho Dias.
Assim nasceu o projeto ‘Rastreio da pressão arterial no concelho de Braga’. Com o apoio da Câmara Municipal de Braga (CMB) e da Associação Nacional das Farmácias (ANF), o novo rastreio teve uma ambição maior: avaliar a pressão arterial em indivíduos com mais de 18 anos, sem diagnóstico prévio de hipertensão, em várias localizações e contextos, e sensibilizar para os riscos associados a esta doença silenciosa que afeta mais de 42% dos portugueses.
Uma cidade em movimento
A segunda quinzena de maio de 2024 foi escolhida como o momento certo para agir, coincidindo com o ‘Mês do Coração’. O plano passava por envolver o maior número possível de farmácias de Braga e levar a iniciativa também para a rua, de forma a alcançar perfis distintos da população. “Obtivemos o apoio e colaboração de dois terços das farmácias do concelho, o que foi essencial para o sucesso do projeto”, conta a proprietária e diretora técnica da Farmácia Narcisa C. Dias.
Entre os dias 17 e 31 de maio, as 21 farmácias aderentes receberam nas suas instalações adultos para uma avaliação gratuita da sua saúde cardiovascular. Mediram-se a pressão arterial, o índice de massa corporal (IMC) e o perímetro abdominal, e registaram-se dados sobre o estilo de vida dos participantes, como hábitos alimentares, tabagismo, prática de exercício físico e outras patologias previamente diagnosticadas.
Além das farmácias, houve ainda três ações em espaços públicos da cidade que permitiram chegar a quem raramente entra numa farmácia sem ser por motivo de doença. “No exterior, por razões de logística, apenas fizemos a medição da pressão arterial e, quando necessário, encaminhámos as pessoas para uma das farmácias aderentes ou para o seu médico. Em todos os contextos, procurámos sempre sensibilizar para a importância da medição regular e da adoção de hábitos de vida saudáveis”, divulga a farmacêutica.
Para reforçar o aconselhamento farmacêutico, foram distribuídos folhetos informativos.
Um modelo “simples” com impacto mensurável
Este modelo de atuação, segundo Narcisa Carvalho Dias, acarreta várias vantagens: “É um projeto simples, facilmente replicável, económico e com grande potencial de impacto na comunidade. Demonstra a viabilidade de ações colaborativas, evidencia os resultados da implementação de oportunidades de melhoria e o interesse em testar projetos-piloto”. A iniciativa, garante, “reforça o papel do farmacêutico como um agente de saúde pública e aproxima-o da comunidade que atende e serve”.
Superar obstáculos, construir soluções
Organizar uma ação comunitária à escala municipal não é tarefa simples. Para Narcisa Carvalho Dias e a sua equipa, o projeto foi também um exercício de resiliência. “Foi uma novidade e, como tal, foi desafiante. Foi necessário reunir com todas as entidades envolvidas e garantir os meios necessários para que tudo corresse bem, num curto espaço de tempo”, reconhece.
A juntar à complexidade logística, houve ainda contratempos inevitáveis. A chuva forçou o cancelamento da primeira ação de rua, o que obrigou a reorganizar a operação e a planear uma ação de substituição. A divulgação também não correu conforme desejado. Além disso, nem todas as farmácias participantes conseguiram destacar um farmacêutico para a reunião de apresentação do projeto, o que dificultou a uniformização da comunicação interna e o alinhamento entre os profissionais envolvidos.
Do lado logístico, o maior dos desafios foi garantir condições estruturais adequadas para acolher a intervenção ao ar livre, nomeadamente tendas, mesas, cadeiras e guarda-sóis. Os entraves foram ultrapassados com recurso a redes de entreajuda. “Para a ação no Parque Desportivo da Rodovia, agradecemos ao colega Helder Mesquita, de Famalicão, o empréstimo de três tendas. Apenas com a sua generosidade e solidariedade foi possível criar condições adequadas para o evento”, enaltece.
O planeamento apertado afetou também a gestão de recursos humanos, especialmente nas ações de rua. Não obstante, as farmácias aderentes colaboraram ativamente, ajustando horários e disponibilizando profissionais sem comprometer o normal funcionamento dos seus serviços.
Resultados que revelam o invisível
Os resultados do projeto revelam tendências preocupantes e oportunidades valiosas de intervenção precoce. Nas ações de rua, 361 pessoas aceitaram medir a pressão arterial. “Detetámos valores de pressão arterial elevados em mais de um quinto dos participantes. Em alguns casos, os níveis registados configuravam uma emergência hipertensiva”, adverte Narcisa Carvalho Dias. Ao todo, 80 participantes (22%) apresentaram valores de pressão arterial iguais ou superiores a 140/90 mmHg. Desses, a esmagadora maioria encontrava-se no intervalo moderado, mas três casos exigiram encaminhamento imediato para consulta médica.
As farmácias aderentes também desempenharam um papel essencial na recolha de dados e acompanhamento. Na ação dentro de portas, foram avaliadas 209 pessoas. Entre elas, 38 (18%) foram sinalizadas para vigilância e 22 (11%) levaram consigo uma carta de recomendação ao médico por registarem valores significativamente elevados.
A análise dos dados de IMC também trouxe sinais de alerta: dos 202 participantes com dados registados, 116 (57%) apresentaram sobrepeso ou algum grau de obesidade, um fator de risco adicional para a hipertensão e outras doenças cardiovasculares.
O projeto previu ainda uma segunda avaliação, recomendada para quem, na primeira medição, apresentou valores de pressão arterial ligeiramente acima dos limites. Essa nova avaliação foi feita por apenas 71 pessoas (34% dos avaliados inicialmente), um resultado que “ficou aquém das nossas expetativas”, admite a interveniente. “Esperávamos que pelo menos metade das pessoas que participaram nas ações de rua com indicação para voltar a medir a pressão arterial numa das farmácias aderentes e identificadas no código QR o fizessem. Futuramente, a identificação das farmácias aderentes num suporte físico, numa lista facilmente legível, poderá favorecer esta continuidade do serviço. É possível que algumas pessoas não possuam meios de ler o código e identificar as farmácias”, assinala.
Balanço “inequivocamente muito positivo”
O projeto tem vindo a consolidar-se. “Tem sido uma experiência extremamente enriquecedora, do ponto de vista profissional e pessoal. A melhor forma de desenvolvimento e aprendizagem resulta da articulação dos conhecimentos com a prática”, comenta Narcisa Carvalho Dias, sublinhando que a cada nova edição são introduzidas melhorias que fazem crescer o impacto da iniciativa.
O balanço é, por isso, “inequivocamente muito positivo”. E, com base nos pontos de melhoria já identificados, a equipa pretende continuar a aperfeiçoar o projeto para “garantir resultados ainda mais relevantes no futuro”.
Cooperação, proximidade e espírito de missão
“O feedback tem sido extraordinário”, afiança Narcisa Carvalho Dias. “São muitas as pessoas que agradecem e parabenizam as farmácias pela iniciativa. Há um reconhecimento do valor de agir na prevenção e na identificação precoce de doenças. Mesmo pessoas hipertensas, excluídas por isso da participação, expressaram o seu reconhecimento pela iniciativa”, salienta.
Um aspeto valorizado é a forma como a ação de rua desafia os profissionais: “A experiência dos farmacêuticos na rua, requer, e exige mesmo, uma atitude particularmente proativa no contacto com um público na sua maioria desconhecido, se queremos alcançar muitos participantes. Este facto incorpora no projeto um desafio de comunicação muito interessante, potencialmente promotor do desenvolvimento profissional e pessoal”.
Além da relação com os utentes, a relação entre colegas também se transforma. “Outro aspeto interessante prende-se com a proximidade, convívio e a colaboração entre profissionais de diferentes farmácias, nomeadamente na ação de rua. Num período histórico em que a concorrência por vezes se extrema, deixando na sombra as inúmeras oportunidades que decorrem da cooperação, este projeto satisfaz-me particularmente”, exalta.
Também o apoio institucional tem sido relevante: “A julgar pelo pronto apoio da CMB, pela colaboração dedicada da ANF e, este ano, também pelo bom acolhimento da Unidade Local de Saúde à iniciativa, sentimos que temos tudo para transformar este num projeto anual que poderá inspirar outros municípios e estender-se a todo o território”.
Para desenvolver ações desta natureza, a farmacêutica acredita que são necessárias competências em liderança e comunicação, espírito de iniciativa, conhecimentos e alguma experiência em gestão de projetos. “Antes de tudo isso, penso que é importante ter uma visão claramente orientada para um bem coletivo e de valor indubitável”, realça.
Um projeto com impacto e futuro
Narcisa Carvalho Dias não esconde a ambição de ver o projeto crescer, mas identifica entraves: o financiamento e a escassez de apoios.
“Estamos com o projeto neste ponto porque agimos em modo de voluntariado”, lembra, destacando que “com um pequeno apoio estatal, numa lógica de um valor pago por cada participante integrado, o alcance da ação seria muito mais significativo”. Para ilustrar, avança com um caso concreto: “A farmácia que mais participantes integrou na ação na farmácia, rastreou 119 indivíduos. Aquela que mais rastreou na rua, alcançou 40 participantes em cada sábado, 80 nos dois. É viável rastrear 200 pessoas por farmácia em duas semanas, sem qualquer estímulo financeiro do Estado, ou seja, mais de 5 mil participantes se incluirmos 25 farmácias. Creio ser possível incrementar muito estes números com um valor justo a aferir por participante”.
A convicção da farmacêutica é clara: “Este parece-me um bom exemplo de como a rede de farmácias está apta e se organiza para abraçar iniciativas relevantes e exequíveis, independentemente da sua origem”. E conclui: “Assim, as farmácias posicionam-se como um sector importante para o Estado, com capacidade instalada, recursos qualificados e disponibilidade para cooperar”.
Novos caminhos, mesmos princípios
Em dezembro passado, a Farmácia Narcisa C. Dias assinalou os seus 21 anos de atividade. A efeméride surgiu num momento particularmente dinâmico da equipa, que deu continuidade ao seu investimento em formação, inovação e proximidade à comunidade.
Narcisa Carvalho Dias continua a traçar planos com a mesma motivação que a fez avançar com o projeto de rastreio da pressão arterial. Um dos caminhos já em marcha é o apoio à investigação. “Não possuindo recursos na farmácia para desenvolver internamente investigação científica em domínios de interesse, apoiamos dois projetos de investigação de alunos do mestrado de Serviço Social, da Universidade Católica Portuguesa (UCP), na área da gerontologia, com o propósito de contribuir para a melhoria dos cuidados a utentes residentes em Estruturas Residenciais para Pessoas Idosas (ERPI)”, explica. O projeto está a decorrer e, dentro de um ano, deverão ser conhecidos os resultados.
Consciente de que a Farmácia Comunitária é, por excelência, um espaço de comunicação, a farmacêutica está a desenhar um projeto centrado nesta área. “A qualidade da comunicação acaba por ser determinante para os resultados. Estou convencida de que através da melhoria da comunicação, todos os envolvidos na atividade, interna e externamente, sairão a ganhar. Assim, dei já alguns passos no sentido de dinamizar um projeto neste domínio. Espero alguns apoios necessários para avançar”, adianta, revelando que “tenho já feedback positivo de várias farmácias que desejam envolver-se e estou bastante motivada”.
Por fim, surge uma ideia que alia saúde mental, bem-estar e expressão artística. “Estudos mostram que o atual estilo de vida, marcado pelo isolamento, pelo excesso de tecnologia e pelo afastamento da natureza e das outras pessoas, prejudica a saúde mental”, observa. Por isso, “convicta de que aprender a tocar um instrumento e a cantar são atividades benéficas nos planos físico, cognitivo e social, almejo criar um espaço comunitário, apoiado pela farmácia e outros interessados, onde qualquer pessoa possa aprender a tocar um instrumento e/ou a cantar”.
Insistir naquilo em que se acredita
Finalista do Prémio Almofariz Intervenção na Comunidade em 2023 e 2024, a Farmácia Narcisa C. Dias ambiciona ir mais além e já está a trabalhar numa nova candidatura.
Para 2025, o entusiasmo mantém-se. “Vale a pena insistir naquilo em que acreditamos. Penso que o projeto, valorizado por maior robustez e dimensão, está agora melhor para vencer. A sua capacidade de extensão ao âmbito nacional é agora mais evidente”, afirma, certa de que “ganhar seria um excelente ingrediente a acrescentar a esta receita que já provou ser vencedora”. À terceira será de vez?
PS: A Farmácia Narcisa C. Dias foi a vencedora do Prémio Almofariz Intervenção na Comunidade 2025 By Laboratórios Azevedos, cuja cerimónia de entrega (e revelação) aconteceu posteriormente a esta entrevista.
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Artigo publicado originalmente na edição #391 da revista FARMÁCIA DISTRIBUIÇÃO, na rubrica ‘Intervenção na Comunidade 2024’, destacando projetos de farmácias do país que se candidataram, no ano passado, ao Prémio Almofariz Intervenção na Comunidade by Laboratórios Azevedos.




