A Farmácia Ferreira Pinto, em Nisa, lançou o projeto ‘Conhece-te a ti mesma’, que ambiciona transformar a forma como as adolescentes vivem o seu ciclo menstrual, através de um maior (auto)conhecimento sobre o seu corpo. A ação promove conversas abertas sobre o ciclo menstrual, as transformações físicas, emocionais e sociais, e a vivência da própria sexualidade, quebrando tabus e ajudando as jovens a tomarem decisões mais conscientes para o seu bem-estar.
Motivação extra
A ideia para o ‘Conhece-te a ti mesma’ surgiu a partir de um projeto anterior, o ‘Conhece-te melhor’. Ana Carlota Campos revela que a Farmácia Ferreira Pinto realiza anualmente sessões de esclarecimento, em colaboração com os professores de Ciências do AEN, dirigida a alunos do 5.º, 9.º e 10-12.º anos, abordando temas como o sistema reprodutor feminino e masculino, o ciclo menstrual, a contraceção e a contraceção de emergência, e as doenças sexualmente transmissíveis. Durante estas sessões, “identificámos situações em que as adolescentes desconheciam o seu ciclo menstrual e o seu corpo, mostrando dúvidas e, quando questionadas de uma forma muito geral, tinham uma opinião negativa em relação à menstruação”, relata.
No entanto, a falta de conhecimento não se restringe apenas às adolescentes. “Esta informação recolhida na escola é condizente com as reações que identificamos diariamente ao balcão da farmácia, quando atendemos mulheres com dúvidas sobre o ciclo menstrual e, até, sobre a toma da pílula”, partilha.
Em suma, identificada uma visão distorcida e desinformada sobre o ciclo menstrual nas mulheres jovens e adultas, a farmacêutica refere que “este projeto vem dar resposta a uma lacuna existente na educação para a sexualidade», que deveria começar pelo “conhecimento profundo do seu próprio corpo como um todo, das transformações físicas e emocionais que ele sofre”.
Um caminho para o autoconhecimento na adolescência
O ‘Conhece-te a ti mesma’ “aborda todos os mitos e tabus relacionados com menstruação e pretende proporcionar um maior conhecimento e poder sobre a gestão do ciclo menstrual e a gestão dos sintomas que são comuns, como a irritabilidade, a ansiedade, a agitação, a insónia, o cansaço, as dores, as dificuldades de concentração, a fadiga grave e, por vezes, a depressão”, resume. “Tem como público-alvo adolescentes com idades compreendidas entre os 14 e os 17 anos e o principal objetivo é dotá-las de autoconhecimento para que possam de uma forma natural e intencional parar, escutar o seu corpo e implementar decisões que beneficiem e melhorem a sua saúde, o seu rendimento académico a partir daí”, prossegue.
“O ciclo menstrual, apesar de ser algo comum, pode ser um grande mistério para boa parte das mulheres que ainda desconhecem as suas fases e como elas afetam as emoções. Acreditamos que, a partir do momento em que as adolescentes forem capazes de identificar as fases do ciclo menstrual, conhecerem as suas implicações a nível hormonal e comportamental, serão capazes de usufruir de uma forma única deste ciclo”, afirma a farmacêutica, certa de que este projeto “vai impactar de forma positiva as adolescentes, permitindo-lhes um melhor entendimento do seu corpo como um todo”.
Objetivos e metodologia
O ‘Conhece-te a ti mesma’ tem como objetivos “garantir que as adolescentes conheçam o seu ciclo menstrual”, proporcionando-lhes “uma visão integrada da saúde, do corpo e da sexualidade da mulher”, avança Ana Carlota Campos. O objetivo final passa por “aprender a implementar estratégias que visem aumentar o bem-estar nas diferentes fases do ciclo, respeitando as particularidades de cada adolescente”, complementa.
A metodologia do projeto está dividida em três etapas, começando pela fase inicial, denominada ‘Descoberta’. “Aplicamos um questionário de autoconhecimento, onde as adolescentes podem refletir acerca do ciclo menstrual, bem como de mitos e questões que gostariam de ver abordadas”, explana a farmacêutica.
A fase de intervenção, chamada ‘Autoconhecimento’, é composta por várias atividades interativas. “Realizamos uma sessão expositiva-participativa sobre as diferentes fases do ciclo menstrual e as suas emoções relacionadas”, menciona. “Também inclui uma sessão expositiva-participativa sobre mitos associados à menstruação, bem como sobre desenvolvimento sexual, e uma sessão de exercícios práticos e técnicas, como exercícios respiratórios, ioga e Qigong, que permitem equilibrar o corpo e a mente”, acrescenta.
Na fase final, designada ‘Integração’, “aplicamos um questionário de conhecimento e satisfação”.
O ‘Conhece-te a ti mesma’ envolve a Farmácia Ferreira Pinto, a psicóloga e terapeuta familiar Adriana Bugalho e o AEN, com a colaboração da professora coordenadora do ‘Projeto de Educação para a Saúde’. No contexto da ação, Ana Carlota Campos tem um papel muito específico. “Como farmacêutica e pessoa que menstrua, tenho como propósito trabalhar com elas a literacia do corpo”, frisa. Por literacia do corpo “entende-se a capacidade de sentir e interpretar as sensações físicas do corpo – inclui sinais de cansaço, dor, desconforto –, compreender o funcionamento do corpo – inclui anatomia básica, localização do sistema reprodutor, como este sistema está dependente de hormonas –, e responder de forma adequada às necessidades do corpo – usar as informações e o conhecimento para tomar decisões saudáveis sobre alimentação, sono, atividade física e bem-estar geral”, esclarece.
Desmistificando mitos
Durante as sessões do ‘Conhece-te a ti mesma’, a Farmácia Ferreira Pinto tem trabalhado para desmistificar mitos comuns sobre o ciclo menstrual. “O primeiro mito que desmistificamos é o de que ‘a menstruação é uma coisa de mulher’. Explicamos que menstruar é um processo fisiológico, que deve ser encarado de uma forma natural, e que a conotação que a sociedade ao longo dos anos lhe associa de sentimentos como vergonha ou algo que deve ser escondido, não deve ser mantido, sendo importante partilhar”, conta Ana Carlota Campos.
Outro mito comum é a ideia de que ‘menstruar é sujo’. “Sentir vergonha ou nojo da menstruação é resultado de tabus sociais que precisam de ser combatidos. Deve ser encarado como um processo natural e saudável do corpo. Aliás, a menstruação é um sinal da saúde do corpo”, expõe.
O projeto também oferece um guia prático para as adolescentes se relacionarem de forma mais consciente com o seu ciclo menstrual. “O folheto que disponibilizamos convida à introspeção e análise. Foi planeado para elas ao longo do mês olharem para si mesmas, para as suas alterações físicas e emocionais e registarem, para posteriormente partilharem”, elucida.
Entusiasmo geral
Uma nota alta também para a resposta das jovens participantes, visto que “têm-se expressado durante as sessões de uma forma muito positiva. Conseguimos transmitir conhecimento que elas ainda não tinham”. Os parceiros, por sua vez, “estão entusiasmados com o projeto e reconhecem a importância deste para as adolescentes”, garante.
Ana Carlota Campos divulga que, apesar de estar apenas na sua primeira edição, a iniciativa apresenta resultados promissores: “Já realizámos duas sessões com adolescentes do 9.º e 12º ano, e o feedback tem sido muito positivo. O interesse, a participação ativa e as dúvidas apresentadas pelos alunos demonstram um envolvimento genuíno com os temas abordados”.
Com a continuidade do projeto assegurada, a Farmácia Ferreira Pinto espera alargar ainda mais o seu alcance. “Como perspetivas futuras, pretendemos abranger outras faixas etárias, como adolescentes mais novas, pois há crianças que menstruam cedo, a partir dos 10 anos, altura em que os seus caracteres sexuais começam a mudar – por vezes cedo, comparativamente à norma – e o tabu pode ser ainda maior, assim como o desconhecimento de que é normal que isso aconteça”, indica a farmacêutica.
Impactar positivamente a vida das pessoas
O processo de criação e implementação do ‘Conhece-te a ti mesma’ não foi isento de desafios. “Os principais desafios foram a coordenação do projeto com a disponibilidade dos parceiros em termos de datas, e a gestão de tempo para a elaboração do projeto”, aponta Ana Carlota Campos. Além disso, ressalta um obstáculo significativo: “O facto de não existirem verbas e a farmácia ter de acarretar com os custos de implementação deste projeto”.
A interveniente reforça a questão do financiamento externo para garantir a expansão e o sucesso de iniciativas como esta, alertando para “a necessidade destes projetos começarem a ser financiados”, pois isso “iria permitir uma maior consistência e aplicabilidade, bem como um maior alcance”. “Não é fácil! Sem qualquer ajuda monetária, o que nos alenta é estar a fazer algo que vai impactar positivamente a vida de alguém, e isso tem valor”, desabafa.
Refletindo sobre o papel das farmácias comunitárias no apoio às políticas de saúde de proximidade, entende que a valorização do sector é fundamental. “A rede de farmácias é uma fonte de conhecimento em proximidade. Na minha opinião, o Estado deveria considerar a literacia em saúde como um dos pilares para a prevenção de doenças e valorizar a rede de farmácias como principais colaboradores”, defende, ciente de que isso só seria possível com “a implementação de projetos bem definidos e financiados2.
No que diz respeito às competências e ferramentas necessárias para desenvolver um projeto desta natureza, enaltece a motivação: “A principal necessidade a desenvolver é o querer. A rotina do dia a dia deixa muitas ideias caírem no esquecimento e na indisponibilidade. Mas quando queremos mesmo que os projetos saiam do papel, temos de arrancar e implementar. Depois, precisamos de alguém que fique responsável pelo projeto, que o comece a desenvolver, que consiga gerir os diferentes parceiros”.
Um século de história e compromisso
O estabelecimento é histórico, num edifício já antigo inserido na zona histórica desta vila raiana do distrito de Portalegre, e está ao serviço da comunidade há mais de um século, adaptando-se às necessidades de cada época, mas mantendo sempre a sua identidade. “Para mim, o momento mais marcante foi quando vim para a farmácia, pois tentei transformar naquela altura, finais dos anos 90, uma farmácia de uma pequena vila sem alterações desde a sua fundação, num espaço de saúde mais confortável e acolhedor”, salienta Maria Alexandra Marçal, assumindo que “neste momento, sinto a necessidade de uma nova alteração”.
A Farmácia Ferreira Pinto tem-se evidenciado não apenas pelo compromisso com a qualidade do serviço, mas também pelo envolvimento ativo na sociedade. De acordo com a responsável, “fazemos por todos os anos colaborar com a comunidade em vários projetos, quer nas escolas, quer na universidade sénior, sempre com o intuito de aumentar a literacia em saúde”. Esta dedicação já foi reconhecida, tendo a farmácia arrecadado alguns prémios no Encontro das Farmácias Holon, grupo que integra.
Entre as novidades, a farmácia está a desenvolver um projeto voltado para a intervenção comunitária, embora ainda em fase embrionária. “Estamos a trabalhar para que seja algo impactante”, antecipa Maria Alexandra Marçal.
“Desistir não é opção!”
A Farmácia Ferreira Pinto tem vindo a reforçar o seu papel na comunidade através de diversas iniciativas de literacia em saúde. A candidatura do projeto ‘Conhece-te a ti mesma’ ao Prémio Almofariz Intervenção na Comunidade 2024 foi mais um passo nessa direção, como assinala Ana Carlota Campos: “Vencendo este prémio, tínhamos a certeza de que menstruar, conhecer o corpo e explorá-lo nunca mais seria motivo de vergonha. O tema teria visibilidade e seria encarado de outra maneira”.
A responsável pela submissão do projeto realça que esta distinção “é importante para destacar a importância da farmácia na sociedade, na comunidade, mostrar que não é um mero espaço de venda de medicamentos. Pode ter muitas e muitas mais valências”.
Com um historial de envolvimento em projetos de impacto social, a Farmácia Ferreira Pinto não pretende ficar por aqui. Questionada sobre uma futura candidatura aos Prémios Almofariz, a farmacêutica é perentória: “Sim, claro, desistir não é opção!”.
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Artigo publicado originalmente na edição #386 da revista FARMÁCIA DISTRIBUIÇÃO, na rubrica ‘Intervenção na Comunidade 2024’, destacando projetos de farmácias do país que se candidataram, no ano passado, ao Prémio Almofariz Intervenção na Comunidade by Laboratórios Azevedos.




