No ano passado, publiquei aqui uma nota onde apresentei o retrato das despesas diretas em saúde em Portugal, em 2015. As despesas diretas em saúde são, como o próprio nome sugere, despesas de saúde asseguradas diretamente pelos cidadãos, ou seja, que não são cobertas pelo Estado nem por seguros voluntários ou obrigatórios. Na altura, concluí que a população idosa era a que apresentava uma maior vulnerabilidade financeira a despesas em saúde. A situação era particularmente gravosa para idosos com 70 ou mais anos, que alocava, em média, mais de 8% do seu rendimento líquido a despesas de saúde.
Agora, com a divulgação dos dados do Inquérito às Despesas das Famílias de 2022 realizado pelo Instituto Nacional de Estatística, podemos finalmente perceber o que mudou ao longo destes sete anos. A mensagem principal é positiva: as despesas diretas em saúde diminuíram de forma expressiva, passando de, em média, 5,56% do rendimento líquido em 2015 para 3,46% em 2022.
Esta evolução positiva resulta de várias políticas públicas implementadas entre 2015 e 2022. Entre elas, a eliminação progressiva das taxas moderadoras e dos pagamentos por exames prescritos nos cuidados de saúde primários, o alargamento da comparticipação de medicamentos, e o aumento do salário mínimo nacional, que reforçou o rendimento disponível das famílias. Os idosos foram o grupo que mais beneficiou destas medidas: o peso das despesas diretas em saúde no seu rendimento líquido caiu de 8,5% para 4,7%. Este resultado mostra que as políticas de isenção de taxas moderadoras e de comparticipação de despesas, nomeadamente com medicamentos, tiveram impacto concreto na vida das pessoas.
Contudo, o estudo revela também um sinal de alerta: as crianças entre os 5 e os 14 anos idade viram a sua desproteção financeira deteriorar-se. Para crianças com idades compreendidas entre os 5 e os 9 anos, a percentagem de crianças colocadas situação de pobreza, risco de pobreza, ou sujeita a um agravamento da sua condição de pobreza devido a despesas diretas em saúde aumentou 0,94 pontos percentuais entre 2015 e 2022; para crianças entre os 10 e os 14 anos, esta percentagem aumentou 1,41 pontos percentuais. É um dado que convida a refletir sobre a necessidade de reforçar as políticas de apoio a famílias com filhos, assegurando que o acesso à saúde não se transforma num fator de desigualdade logo na infância.
Em termos geográficos, todas as regiões do país registaram melhorias, com destaque para o Centro, onde a redução do peso das despesas em saúde foi mais acentuada. Contudo, as desigualdades persistem: continua a observar-se um gradiente socioeconómico na desproteção financeira para despesas em saúde, com indivíduos de rendimentos mais baixos a alocarem uma maior percentagem do seu rendimento líquido a despesas diretas em saúde. Assim, se o objetivo da sociedade for esbater ainda mais a regressividade dos pagamentos diretos, dever-se-á continuar a implementar medidas que protejam grupos socioeconómicos vulneráveis, que não se limitam à população idosa. Garantir que ninguém é colocado em situação de pobreza ou risco de pobreza devido a despesas diretas em saúde continua a ser uma das dimensões mais fundamentais de um Serviço Nacional de Saúde verdadeiramente universal.
Carolina Santos
Investigadora em Economia, Nova School of Business and Economics
Nota: Para uma análise mais detalhada, consulte a nota informativa publicada no Observatório da Despesa em Saúde, publicado no âmbito da Iniciativa para a Equidade Social – uma parceria entre a Fundação “la Caixa”, o BPI, e a Nova SBE.




