Ensaios clínicos: A visão da Ordem dos Farmacêuticos 1280

Nos últimos anos, Portugal tem dado passos importantes para se afirmar no cenário europeu da investigação clínica, área crucial para o desenvolvimento e acesso a tratamentos inovadores. A Ordem dos Farmacêuticos, através da recente criação do Grupo de Interesse em Ensaios Clínicos, assume aqui um papel fundamental, ao estruturar um plano estratégico que pretende não só posicionar Portugal como polo de referência na atração e realização de ensaios clínicos, mas também valorizar do farmacêutico neste processo.

A visão do Grupo de Interesse é clara e ambiciosa: tornar Portugal um dos países com maior capacidade de atração de investigação clínica na União Europeia. Não é um objetivo menor, é uma missão que alia inovação, investimento e colaboração entre múltiplos stakeholders. No panorama sociopolítico atual, a prioridade atribuída à investigação clínica revela uma compreensão profunda do seu impacto positivo na saúde pública, no reforço do Sistema Nacional de Saúde e no desenvolvimento profissional do farmacêutico.

A Ordem dos Farmacêuticos defende uma colaboração estreita entre autoridades regulamentares, investigadores, indústria, profissionais de saúde e, sobretudo, os doentes. Esta sinergia é a base para um ecossistema sustentável de investigação clínica, capaz de trazer benefícios reais à população. Também é relevante o reconhecimento da indústria farmacêutica como parceiro estratégico, não só para financiamento, mas para a introdução precoce de terapêuticas inovadoras no Serviço Nacional de Saúde (SNS).

No entanto, apesar dos avanços recentes, como a criação de centros organizados de bio investigação e a cooperação europeia, existem fragilidades evidentes. A ausência de descentralização, a multiplicidade de diplomas regulamentares e a carência de competências específicas em investigação clínica entre Farmacêuticos, apontam para áreas que exigem ação imediata. Sem a valorização e qualificação dos Farmacêuticos, será difícil atingir a excelência pretendida. O desenvolvimento da competência específica em Investigação Clínica por parte da Ordem dos Farmacêutica visa cobrir esta necessidade.

É nesse contexto que a proposta do Grupo de Interesse para garantir a qualificação avançada do farmacêutico na área dos ensaios clínicos ganha relevância estratégica. A implementação da consulta farmacêutica nos ensaios, o incentivo à investigação de iniciativa do investigador farmacêutico, e a revisão dos critérios financeiros para os serviços farmacêuticos são medidas que promovem a integração e reconhecimento do Farmacêutico como agente ativo e indispensável na investigação clínica.

Tendo em conta a minha experiência pessoal, considero a recente criação e implementação da Unidade Integrada de Investigação, Desenvolvimento e Inovação (I&D&I) nos Serviços Farmacêuticos Hospitalares do Hospital da Luz, em Lisboa, um exemplo concreto que pode e deve ser feito para fomentar a investigação clínica em Portugal. Este projeto combina investigação básica e translacional com um objetivo de melhoria da eficácia, segurança e eficiência dos cuidados farmacêuticos.

Os resultados são notáveis: aumento exponencial de projetos de investigação, publicações científicas e participações em eventos, assim como o reconhecimento institucional e científico. Estes indicadores confirmam que apostar na investigação e inovação dentro dos serviços farmacêuticos é uma estratégia vencedora, capaz de valorizar profissionais, promover conhecimento e impactar diretamente a qualidade do cuidado ao doente.

Além disso, a Unidade I&D&I mostra como a formação e capacitação dos farmacêuticos em investigação clínica podem ser integradas na rotina hospitalar, criando sinergias entre os vários Serviços Clínicos e fortalecendo o papel do farmacêutico enquanto especialista do medicamento e elemento-chave no ciclo dos ensaios clínicos. As unidades I&D&I são um exemplo inspirador de como esta visão pode traduzir-se em prática, reforçando a necessidade de investir na qualificação, infraestruturas e autonomia dos Serviços Farmacêuticos.

Considero que a Ordem dos Farmacêuticos, através do Grupo de Interessem em Ensaios Clínicos, apresenta uma visão robusta e realista para o futuro da investigação clínica em Portugal, colocando os Farmacêuticos no centro deste processo. Reconhece os desafios estruturais e culturais, e propõe ações concretas para os superar. Portugal tem hoje uma oportunidade única para se destacar na investigação clínica, beneficiando os doentes, profissionais e o sistema de saúde. A aposta estratégica nos Farmacêuticos como agentes de mudança e inovação será, certamente, um fator decisivo para o sucesso desta jornada.

Jesús Luque

Coordenador do Grupo de Interesse em Ensaios Clínicos da Ordem dos Farmacêuticos

Referências

  1. Estatuto da Ordem dos Farmacêuticos, Decreto-Lei n.º 288/2001, de 10 de novembro, com a redação dada pela Lei n.º 74/2023, de 18 de dezembro.
  2. European Association of Hospital Pharmacists (EAHP). Investigation of the hospital pharmacy profession in Europe: assess and advance hospital pharmacy! Results 2022/2023. Disponível em: https://www.eahp.eu/sites/default/files/2022_2023_eahp_investigaton_report.pdf
  3. Kuruc Poje D, Fitzpatrick RW, Stevens C, et al. Investigation of the hospital pharmacy profession in Europe. Eur J Hosp Pharm 2024. doi:10.1136/ejhpharm-2023-004066
  4. Despacho n.º 1739/2024 de 14 de fevereiro, disponível em: https://files.diariodarepublica.pt/2s/2024/02/032000000/0009000092.pdf