A doação de gâmetas — óvulos e espermatozoides — assume hoje um papel crucial na concretização do sonho da parentalidade para centenas de pessoas em Portugal. As mudanças sociais, o adiamento da maternidade e paternidade e o aumento dos casos de infertilidade tornam este gesto altruísta cada vez mais necessário.
Quem o explica é Mónica Lopes, enfermeira coordenadora de doação da AVA Clinic, que acompanha diariamente homens e mulheres que escolhem doar.
Porque é que a doação é tão importante hoje?
De acordo com a especialista, o aumento da idade em que as pessoas tentam ter filhos impacta significativamente a qualidade e quantidade dos ovócitos, o que leva a mais situações de infertilidade. Além disso, muitas pessoas passam por tratamentos médicos que comprometem a fertilidade, como a quimioterapia, e encontram na doação a única forma de vir a ser pais. Também mulheres com falência ovárica precoce, homens sem produção de espermatozoides, mulheres solteiras e casais de mulheres dependem da doação para concretizar o desejo de formar uma família. “Sem dadores, estes projetos de vida simplesmente não seriam possíveis”, sublinha Mónica Lopes.
A doação de gâmetas tem, por isso, um impacto profundo na vida de quem os recebe. Este gesto pode transformar um percurso de frustração num caminho de esperança. Mesmo não existindo uma ligação genética com um dos progenitores, isso não diminui a força da relação familiar. “O amor, o cuidado e a parentalidade ativa são o que verdadeiramente constroem uma família”, acrescenta a enfermeira.
Como funciona o processo de doação?
A doação é sempre voluntária e não comercial. Por isso, homens e mulheres saudáveis, sem doenças sexualmente transmissíveis ou condições genéticas graves, podem tornar-se dadores. O processo inclui exames médicos, análises, testes genéticos e avaliação psicológica, garantindo total segurança e qualidade.
A lei portuguesa proíbe a compra e venda de gâmetas, mas prevê uma compensação pelo tempo e esforço dos dadores.
Como se processa a doação de espermatozoides e de óvulos?
Após uma triagem inicial, feita através de um questionário, e confirmação da qualidade do esperma, seguem-se avaliações psicológicas e médicas, que incluem a colheita de sangue e testes genéticos. Depois de todos os resultados estarem aprovados, é iniciada a fase de dádivas. Seis meses após o fim das dádivas, realizam-se novas análises que determinam a aptidão final do dador.
Já a dadora, após o processo inicial, semelhante ao dos homens, inicia um ciclo de estimulação hormonal para amadurecimento simultâneo de vários óvulos. A recolha é feita por punção ovárica, um procedimento de cerca de 20 minutos sob sedação, de modo a minimizar o desconforto. Depois da punção, há um acompanhamento médico e a dadora pode retomar a sua rotina após recuperação, e o processo não compromete a reserva ovárica futura.
E o impacto da nova lei sobre o anonimato?
A legislação que permite que, aos 18 anos, a criança possa aceder à identidade civil do dador levantou dúvidas sobre a continuidade das doações. No entanto, segundo Mónica Lopes, não se verificou uma redução significativa no número de dadores disponíveis. Pelo contrário, o número de dadores contactados que decidiram manter a doação, mesmo com a possibilidade de identificação futura, foi muito elevado.
O que dizer a quem está a ponderar doar?
A enfermeira deixa uma mensagem clara: “A tua decisão pode transformar a vida de alguém, que te será eternamente grato. Doar gâmetas é muito mais do que um ato médico, é um gesto profundamente humano, impactante e duradouro.”




