A distribuição farmacêutica é um dos pilares essenciais do ecossistema de saúde em Portugal, assegurando, de forma contínua e segura, o fornecimento de medicamentos a todas as farmácias do país. Esta atividade, altamente regulada e exigente, enfrenta hoje desafios económicos que comprometem a sua atratividade e sustentabilidade. No atual contexto, torna-se imperativo refletir sobre as políticas governamentais e regulatórias que afetam diretamente este setor e, por inerência, a saúde pública.
Durante as últimas duas décadas, os preços dos medicamentos permaneceram praticamente estagnados, sem refletir a escalada dos custos operacionais – desde a energia, à logística, passando pela conformidade regulatória. Este desfasamento acentuado entre os custos reais e os preços praticados tem vindo a fragilizar financeiramente os distribuidores farmacêuticos, cuja remuneração depende diretamente do valor dos medicamentos. Como consequência, a capacidade das empresas em manter a qualidade do serviço e em garantir o abastecimento em todo o território nacional, em particular nas zonas de baixa densidade populacional, está sob uma pressão constante.
Portugal, enquanto mercado periférico e de pequena dimensão, enfrenta uma concorrência significativa por parte de países com maior poder de atração junto dos principais laboratórios internacionais. A baixa atratividade do nosso mercado, decorrente de preços mais baixos e desajustados, coloca em risco a disponibilidade de medicamentos em território nacional. Esta realidade agrava o risco de escassez, afetando o acesso dos cidadãos a terapêuticas essenciais.
É por isso que a ADIFA tem defendido, de forma reiterada, a criação de um mecanismo de atualização automática dos preços dos medicamentos indexado à inflação ou ao índice de preços ao consumidor. Esta medida, aplicada a título excecional na última revisão anual de preços, permite melhorar o equilíbrio económico do setor, aumentar a previsibilidade e garantir a sustentabilidade das operações. Por isso, a sua incorporação na legislação deve ser encarada como uma questão de justiça e de racionalidade económica, e não como um encargo para o sistema de saúde.
Adicionalmente, é essencial que o quadro regulatório reconheça a especificidade da distribuição farmacêutica de serviço completo, que opera com padrões rigorosos e assegura uma cobertura territorial plena, incluindo rotas com rentabilidade negativa. A diferenciação legal desta atividade – com direitos e deveres próprios – é uma prioridade, na medida que constitui um reconhecimento dos distribuidores farmacêuticos que prestam um serviço de interesse público em relação a outros operadores do mercado.
Outra medida de grande importância foi recentemente consagrada no novo quadro jurídico para a identificação e reforço da resiliência das entidades críticas, no qual a distribuição farmacêutica é reconhecida como um serviço essencial, o que representa um avanço significativo para a proteção da continuidade do abastecimento em situações de emergência, como catástrofes naturais ou crises de saúde pública. Este reconhecimento, além de reforçar o estatuto do setor no ecossistema da saúde, assegura que os distribuidores farmacêuticos de serviço completo passam a ser considerados prioritários em contextos de crises, contribuindo para a continuidade da sua atividade em situações-limite.
Paralelamente, é importante adotar outras medidas estruturais que aumentem a autonomia estratégica do setor do medicamento, nomeadamente o incentivo à produção local de medicamentos e princípios ativos, como forma de reduzir a dependência externa. Mas importa também implementar incentivos à digitalização e modernização das operações logísticas, promovendo o uso de tecnologias emergentes – como inteligência artificial e sistemas de logística avançada – que permitam uma gestão mais eficiente, resiliente e competitiva de toda a cadeia do medicamento. Neste domínio, a criação de reservas estratégicas nacionais de medicamentos essenciais é matéria prioritária para garantir a segurança do abastecimento em períodos de crise ou disrupção internacional.
Num momento em que o país enfrenta novos desafios na área da saúde, urge adotar políticas que assegurem um ecossistema farmacêutico competitivo, robusto e sustentável. A devida valorização da distribuição farmacêutica é essencial e não pode ser adiada: trata-se de proteger um serviço essencial à população e de garantir que o acesso aos medicamentos continua a ser um direito efetivo, independentemente da geografia ou condição socioeconómica.
Nuno Flora
Presidente Executivo da ADIFA




