Como ter ambientes de trabalho mais saudáveis nas farmácias 1889

Os farmacêuticos comunitários enfrentam níveis de stresse e sobrecarga. Como tal, o NETFARMA falou com Tânia Gaspar, coordenadora do Laboratório Português de Ambientes de Trabalho Saudáveis (LABPATS) que efetuou no ano passado um estudo para a Ordem dos Farmacêuticos (OF), para perceber qual a realidade nas farmácias comunitárias e como é que estas podem ter um ambiente mais saudável.

 

Desgaste emocional e exaustão

Os dados do Laboratório Português de Ambientes de Trabalho Saudáveis revelam “um quadro generalizado de desgaste emocional, elevados índices de exaustão (física e mental) e dificuldades na gestão do stresse entre profissionais da saúde”, indica Tânia Gaspar. No contexto, segundo a diretora do Sentro de Psicologia, Inovação e Conhecimento (SPIC) da Universidade Lusófona e coordenadora do LABPATS, “nas farmácias comunitárias, esta realidade é particularmente acentuada devido à intensidade do contacto direto com o público, à responsabilidade clínica, à gestão de múltiplas tarefas simultâneas, e à pressão para garantir acessibilidade e qualidade no atendimento farmacêutico, especialmente em períodos de crise sanitária ou escassez de recursos”.

 

Perceção de incapacidade de controlo e de esgotamento emocional

A perceção de incapacidade de controlo e esgotamento emocional entre farmacêuticos pode ser agravada por vários fatores estruturais e organizacionais.

Tânia Gaspar aponta:

  • Falta de previsibilidade e elevada carga de trabalho, sem pausas adequadas;
  • Exigências simultâneas de gestão técnica, administrativa e interpessoal;
  • Carência de reconhecimento e de feedback positivo, fenómeno evidenciado também nos dados do LABPATS;
  • Baixa autonomia na organização do trabalho, frequentemente restringida por políticas externas ou diretrizes superiores;
  • Conflitos interpessoais com utentes em situações de tensão, que podem potenciar sentimentos de impotência e frustração.

A coordenadora salienta ainda que “cerca de 30% dos farmacêuticos revelam ter doença crónica o que também pode afetar o seu bem-estar laboral, aumentar o presentismo (18%) e absentismo (9,1%)”.

Por outro lado, “apenas 40% dos farmacêuticos reporta bons hábitos de sono, e 32% bons hábitos de exercício físico”.

Tânia Gaspar destaca também que “34% dos farmacêuticos refere consumir medicamentos psicotrópicos”.

O valor médio de satisfação com o ambiente de trabalho é de “5,6 (de valores entre 1 e 10, sendo 10 total satisfação), quando comparados com os outros profissionais que apresentam uma média de 6,3 valores”.

 

O presentismo e o burnout

A exposição constante a contextos de pressão, aliada à exigência de desempenho contínuo, “acentua significativamente o risco de presentismo e burnout entre farmacêuticos”, refere Tânia Gaspar, acrescentando que “o estudo LABPATS identificou níveis elevados de presentismo (20,9%) e burnout (com mais de 40% dos profissionais a reportarem sintomas de exaustão física e emocional)”.

Daí que, nas farmácias, os responsáveis técnicos devem, segundo a coordenadora, estar atentos a sinais como:

  • Redução da motivação e do envolvimento;
  • Aumento da irritabilidade, falhas de memória e erros operacionais;
  • Sintomas somáticos persistentes (dores de cabeça, distúrbios gastrointestinais);
  • Isolamento social dentro da equipa;
  • Expressões frequentes de cansaço extremo ou apatia.

A vigilância destes sinais “deve ser acompanhada de um canal de comunicação aberto, transparente e seguro, que promova o pedido de ajuda e o apoio em tempo útil”, aconselha ainda a responsável.

 

Consumo de psicotrópicos e álcool: Farmacêuticos, mais protegidos ou mais vulneráveis?

“Paradoxalmente, os farmacêuticos poderão estar mais vulneráveis a padrões de consumo compensatório de substâncias, apesar do seu conhecimento técnico sobre os riscos”, revela Tânia Gaspar, acrescentando que o estudo LABPATS “assinala taxas relevantes de consumo de psicotrópicos (34%) e álcool (73% com consumo superior a duas bebidas diárias) entre profissionais de vários sectores, incluindo a saúde”.

Esta vulnerabilidade pode ser explicada, como especifica a coordenadora, “por facilidade de acesso aos medicamentos, o que aumenta o risco de automedicação, estigma interno em procurar apoio psicológico formal, por receio de julgamento profissional e normalização do sofrimento emocional no sector, que pode levar à adoção de estratégias de alívio pouco saudáveis”.

 

Dificuldades na gestão emocional

Os sinais precoces mais comuns incluem “o aumento de conflitos interpessoais e tensão no ambiente, a desmotivação generalizada e perda de entusiasmo, falta de iniciativa ou resistência a mudanças e inovações, atrasos frequentes e absentismo intermitente e diminuição da qualidade do atendimento e das práticas colaborativas”, menciona Tânia Gaspar.

Para a coordenadora do LABPATS, o reconhecimento atempado destes sinais “deve desencadear ações centradas no bem-estar, como a reorganização de turnos, pausas programadas, segurança, psicológica, escuta ativa e apoio psicológico”.

 

Respeito dos ritmos biológicos versus horários rígidos e turnos rotativos

Apesar dos constrangimentos estruturais, “é possível aplicar o princípio de respeito pelos ritmos biológicos através de ações conjuntas com os profissionais, tais como, planeamento justo e participativo dos turnos, com atenção aos ciclos de vigília-sono dos colaboradores; evitação de turnos rotativos desregulados, como alternância rápida entre manhã e noite; pausas regulares integradas no horário laboral, com espaços adequados para descanso; e acompanhamento contínuo do impacto dos horários na saúde dos profissionais, através de inquéritos internos ou reuniões de bem-estar”, refere Tânia Gaspar.

A flexibilidade possível “dentro dos limites operacionais é um elemento-chave para promover a recuperação fisiológica e emocional dos profissionais”, acrescenta.

 

Promoção de ambientes de trabalho mais saudáveis

Com base nas recomendações do LABPATS, destacam-se as seguintes boas práticas para farmácias comunitárias:

  • Promoção de cultura de bem-estar e valorização do trabalho: reconhecimento regular, feedback positivo e celebração de objetivos alcançados;
  • Formação em gestão emocional, comunicação interpessoal e resolução de conflitos;
  • Criação de um ambiente físico adequado, com ergonomia, iluminação e temperatura confortáveis;
  • Implementação de pausas reais e incentivo à desconexão digital fora do horário laboral;
  • Disponibilização de apoio psicológico ou protocolos com profissionais externos;
  • Envolvimento das equipas na tomada de decisão sobre organização do trabalho, reforçando o sentimento de controlo e pertença.

Estas medidas, “embora simples, têm impacto direto na prevenção do burnout, redução do presentismo/absentismo e melhoria da qualidade do serviço farmacêutico”, conclui Tânia Gaspar.

 

Algumas conclusões do estudo do LABPATS

Tânia Gaspar salienta que o seu depoimento, ao NETFARMA, teve como base a análise do estudo do LABPATS junto dos farmacêuticos portugueses e considerando a realidade particular das farmácias comunitárias.

Deste modo, o estudo aprofundado dos farmacêuticos revela que os valores de burnout são elevados especialmente o burnout profissional e pessoal.

Neste contexto, no documento, as propostas de melhoria para tornar o ambiente de trabalho mais saudável foram organizadas em quatro níveis de análise: organizacionais; liderança; relações laborais e conteúdo do trabalho e saúde e bem-estar.

  • Organizacionais

“Os participantes sugerem intervalos regulares de pausas efetivas, a contração de mais pessoal para a equipa, a renovação e aumento da copa, o encerramento da farmácia aos fins de semana, a resposta a questionários para avaliar o grau de satisfação, a criação de uma sala de convívio ampla e com ambiente descontraído, melhores equipamento e melhores instalações”, lê-se no estudo.

  • Liderança

“Os participantes referem o reajuste de carga horária semanal de 40 para 35 horas, a mudança de horários para conciliar vida pessoal/familiar e profissional, melhores condições de trabalho, melhores remunerações ou outro tipo de benefícios (e.g., seguro de saúde, aumento de subsídio de alimentação), alterações dos prazos de entrega, atribuição de mais dias de descanso, o aumento do número de recursos humanos ou diminuição das tarefas diárias obrigatórias, chefia direta mais adaptada às exigências, ter o dia de anos de folga, não trabalhar mais de 4h sem pausa, formação em civismo, a permissão de teletrabalho, respeito e simpatia por parte da chefia e reunião semanal de equipa”.

  • Relações laborais e conteúdo do trabalho

“Os participantes sugerem a promoção de dias de convívio, ações estruturadas de equipa fora do ambiente laboral e o aumento da comunicação entre as pessoas da equipa.”

  •  Saúde e bem-estar

“Os participantes sugerem a melhoria de condições ergonómicas (e.g., apoios para descanso), consultas de psicologia regulares, o pagamento do ginásio aos colaboradores, a promoção de exercício físico, formação em mindfulness, organização de caminhadas uma vez por mês, parceria com ginásios e a prática de sessões de terapia e spa”.

Ainda de acordo com o documento, “concluímos que o Ambiente de Trabalho Saudável deve ser compreendido de forma integral e sistémica. A cultura da organização deve ser promotora de saúde, as lideranças mais motivadas, com desenvolvimento de competências e promovendo uma maior valorização dos trabalhadores e melhoria nas relações interpessoais através de atividades laborais e extra contexto laboral. Os participantes salientam a necessidade de desenvolver atividades promotoras de bem-estar e de saúde no contexto laboral, promover comunicação entre profissionais, lideranças e utentes. A melhoria ambiente psicossocial, a intervenção ao nível da saúde mental, prevenção do burnout e desenvolvimento de estratégias de gestão de conflitos e stress são áreas prioritárias de intervenção”.