Ciências Farmacêuticas: Estudo denuncia estagnação curricular e apela à reforma urgente do ensino 1326

O ensino pré-graduado das Ciências Farmacêuticas denota uma preocupante estagnação curricular e deve ser, urgentemente, reestruturado para alinhar a formação farmacêutica com as exigências contemporâneas da profissão e da regulação europeia, conclusões de um estudo patrocinado pela Sociedade Portuguesa de Farmacêuticos dos Cuidados de Saúde (SPFCS), o qual apresenta uma análise profunda e crítica ao ensino pré-graduado das Ciências Farmacêuticas em Portugal, com foco nos Mestrados Integrados em Ciências Farmacêuticas (MICF) das três principais faculdades públicas: Universidade de Coimbra (FFUC), Universidade de Lisboa (FFUL) e Universidade do Porto (FFUP).

A investigação, que cobre o período entre 2010 e 2025, baseia-se na análise documental dos planos de estudo publicados em Diário da República e na avaliação dos conteúdos programáticos das unidades curriculares obrigatórias. 

Entre as principais conclusões deste estudo, destaca-se, de acordo com o especificado pela SPFCS, no seu site, “a inércia dos planos curriculares, que permanecem praticamente inalterados há mais de uma década. As alterações verificadas são pontuais e concentram-se, sobretudo, no quinto ano do MICF, sem impacto significativo na estrutura global dos cursos. Esta estagnação contrasta com a evolução acelerada da profissão farmacêutica, marcada por novas exigências clínicas, regulamentares e tecnológicas”.

Outro ponto crítico identificado pelo estudo é, ainda de acordo com a SPFCS, “a falta de centralidade do medicamento nos planos de estudo. Apesar de ser o eixo estruturante da profissão farmacêutica, o medicamento continua a ser abordado de forma marginal e fragmentada, sem uma integração sólida ao longo dos cinco anos de formação. Áreas emergentes como farmacogenómica, farmácia clínica, avaliação de tecnologias de saúde e regulação do medicamento estão sub-representadas ou mal distribuídas nos currículos, o que compromete a preparação dos futuros profissionais para os desafios reais da prática farmacêutica”.

Ato farmacêutico 

Outra das conclusões do estudo é que a carga letiva atribuída às unidades curriculares diretamente associadas aos atos próprios da profissão representa apenas cerca de 30% do total do MICF, quando áreas como microbiologia, bromatologia e análises clínicas continuam a ocupar uma fatia desproporcional do plano de estudos, apesar de não serem prioritárias segundo a legislação atual. Esta desproporção “revela um desalinhamento com a Diretiva Europeia 2005/36/CE e suas atualizações, que definem os requisitos mínimos para o exercício da profissão farmacêutica na União Europeia”, indica a SPFCS.

Estágio curricular

É tratado como uma unidade de aquisição de conhecimentos básicos, sem a profundidade necessária para preparar os estudantes para o exercício profissional, refere a SPFCS, acrescentando que, além disso, “o estudo aponta para a ausência de uma abordagem One Health nos currículos, limitando a formação em saúde pública e ignorando os desafios contemporâneos da saúde planetária e da literacia terapêutica”.

Propostas dos autores

Face a esta realidade, os autores do estudo propõem algumas ideias, de acordo com o patente no estudo, para robustecer, do ponto de vista curricular, o ensino do MICF em Portugal:

  • Priorizar e reforçar o ensino da farmacologia, farmacoterapia e fisiopatologia como áreas científicas estruturantes para a compreensão do medicamento de forma integrada, associando-lhe o ensino de patologia geral e semiologia farmacêutica como preconizado na Diretiva;”
  • Criar uma verdadeira cultura de ensino centrada na farmácia clínica e nos cuidados farmacêuticos, traduzida não apenas na criação de [unidades curriculares] UC autónomas e com peso relevante, mas também no sentido pedagógico de sensibilização dos estudantes para esta importância desde o início do MICF e da estruturação de um ciclo de ensino clínico pré-graduado (com simulação clínica e reformulação do estágio);”
  • Evoluir no sentido de um ensino da Sociofarmácia e áreas afins, como Deontologia e Legislação Farmacêutica ou Farmacoeconomia, atualizando os seus conteúdos e com a visão de ter farmacêuticos com capacidade de intervenção no espaço público;”
  • Manter e consolidar o ensino de matérias nos domínios da tecnologia e biotecnologia farmacêutica, química farmacêutica e toxicologia farmacêutica, com a preocupação de evolução curricular constante;”
  • Adotar uma visão de conjunto para as disciplinas propedêuticas, colocando-as nos primeiros três a quatro semestres do MICF, reajustando currículos de acordo com o conhecimento efetivamente necessário para compreensão das ciências farmacêuticas aplicadas, o que implicará fusão e/ou profunda reformulação de UC na área da química, física, biologia e bioquímica básicas, microbiologia, métodos instrumentais de análise e farmacognosia;”
  • Alterar profundamente o ensino de Saúde Pública, com base na abordagem one health, abandonando uma visão obsoleta desta área muito centrada no estudo laboratorial de agentes causadores de infeção e partindo para a interrelação entre prevenção da doença, promoção da saúde e gestão sustentável dos sistemas de prestação de cuidados;”
  • Eliminar UC nas áreas da bromatologia, hidrologia, toxicologia mecanística, matemática pura, por não constarem nem da Diretiva Delegada nem constituírem apoio inequívoco à prática dos atos próprios de farmacêuticos, devendo ser oferecidas como UC opcionais ou integrarem ciclos de estudos pós-graduados.”