Apoio domiciliário e a saúde do cônjuge 2176

O aumento da esperança média de vida e do número de anos que as pessoas vivem com maior ou menor grau de dependência traduzem-se numa necessidade cada vez maior de cuidados de longa duração, que são assegurados de forma formal ou informal. Entre as respostas formais encontramos, mais comummente, os lares e o apoio domiciliário, mas, tanto em Portugal como nos outros países, a maioria das pessoas que necessitam de apoio nas suas atividades do dia-a-dia —desde a toma de medicamentos à higiene pessoal— dependem dos seus familiares (isto é, cuidadores informais).

Cuidar de um familiar, por exemplo de um pai idoso ou do cônjuge, pode representar uma pesada carga, em termos emocionais, de saúde física e mental, e não só. Os cuidados formais podem contribuir para aliviar essa carga. Perceber os impactos de diferentes tipos de cuidados de longa duração formais no cuidador informal é importante, para auxiliar o desenho de melhores políticas de apoio ao cuidador informal. Num recente estudo com os colegas Luís Filipe e Francisco von Hafe, exploramos o impacto da utilização de serviços de apoio domiciliário na saúde do cônjuge, usando dados para mais de quinze países da Europa.

Por um lado, ser cuidador informal pode ter consequências nefastas para a saúde, pois pode envolver tarefas pesadas, como levantar o cuidando, e colocar pressões sobre a vida pessoal, social e profissional do cuidador. Por outro lado, ser cuidador por exemplo do parceiro, no caso de casais reformados, pode representar uma fonte de atividade física, e pode induzir sensações positivas como autoestima, orgulho em poder ajudar, sentimentos de utilidade e apreciação. Naturalmente, que fatores mais pesam —favoráveis ou desfavoráveis— depende da intensidade e do tipo de apoio prestado, da severidade da dependência do cuidando, entre outros fatores.

O apoio domiciliário a um indivíduo dependente interage com a provisão de cuidados informais por parte dos seus familiares, podendo substituir os mesmos ou complementá-los. Ao substituir algumas tarefas, potencialmente as mais pesadas, o apoio domiciliário pode aliviar a carga do cuidador —mas também pode eliminar as tais sensações positivas que alguns cuidadores derivam dessa atividade. Noutros casos, os profissionais do apoio domiciliário podem sinalizar necessidades que eram desconhecidas, e solicitar mais apoio por parte dos cuidadores informais. Ou seja, não podemos dizer antecipadamente que passar a receber apoio domiciliário é favorável ou desfavorável à saúde do cuidador. Enquanto que existe uma extensa literatura sobre o impacto de prestar cuidados informais na saúde, quase não existem estudos sobre o impacto da utilização de serviços de apoio formais na saúde do cuidador.

Nós focamo-nos nos cônjuges pois eles são não só responsáveis pela maior parte dos cuidados informais prestados, como também são em média mais velhos e frágeis, isto é, têm maior risco de eles próprios desenvolverem problemas de saúde. Também não consideramos apenas aqueles que se auto-designam cuidadores, mas todos os cônjuges (potenciais cuidadores) de indivíduos com limitações nas atividades do dia-a-dia, pois morando debaixo do mesmo teto, é provável que ajudem de algum modo.

Utilizamos dados do inquérito Europeu SHARE (Survey of Health, Ageing, and Retirement in Europe). Este inquérito permite seguir ao longo do tempo indivíduos de 50 e mais anos em vários países, bem como os seus cônjuges independentemente da idade, em termos da sua saúde e outras características. O que fazemos é identificar casais que a dado momento no tempo começam a utilizar serviços de apoio domiciliário, e ver o que acontece à saúde do cônjuge que não é o beneficiário direto (isto é, o cônjuge que provavelmente presta cuidados informais ao outro). Tomamos em conta uma série de fatores que podem confundir a relação entre a utilização de serviços de apoio domiciliário e a saúde do cônjuge —o objetivo é determinar uma relação de causalidade.

Deixo aqui três resultados principais. O primeiro é que começar a receber apoio domiciliário impacta desfavoravelmente a saúde do cônjuge. Os resultados seguintes podem ajudar a perceber porquê.

O segundo resultado principal é que começar a receber apoio domiciliário aumenta a probabilidade de o cônjuge se auto-designar cuidador. Uma possível interpretação deste resultado é que, na existência de importantes necessidades não satisfeitas na população —porque a oferta de cuidados formais não é suficientemente vasta, por exemplo—, o que tenderá a acontecer é os profissionais do apoio domiciliário identificarem essas necessidades e solicitarem apoio adicional por parte dos familiares. Na nossa amostra, a maioria dos indivíduos que recebe apoio domiciliário recebe poucas horas de apoio semanal, o que sugere que provavelmente haverá um complemento por parte de cuidadores informais.

O terceiro resultado principal é que o impacto desfavorável na saúde do cônjuge é especialmente forte no caso da saúde mental dos esposos que cuidam (potencialmente) das esposas. Continuando com o raciocínio anterior, se passar a receber apoio domiciliário tende a requerer mais apoio por parte do cônjuge, isso pode impactar mais negativamente os homens, que tradicionalmente estão menos preparados para realizar tarefas domésticas, de higiene pessoal, etc. Uma explicação alternativa é que relativamente a mulheres, homens que são cuidadores tendem a derivar mais sensações positivas da atividade de cuidar, como sentimento de orgulho por conseguir “dar conta do recado”. Passar a receber apoio domiciliário pode eliminar esse tipo de sentimentos, por exemplo ao lembrar o esposo de que não já consegue lidar com a situação sozinho.

Estes resultados não significam que aumentar a oferta de serviços de apoio domiciliário fosse mau para a saúde dos cônjuges. Pode ser que entre os beneficiários de apoio domiciliário, aumentar a quantidade de apoio tenha benefícios para a saúde do esposo. Um estudo francês encontra esse mesmo resultado. Infelizmente, com os dados de que dispomos, conseguimos apenas olhar para o impacto de receber versus não receber, e não para o impacto de receber mais ou menos horas de apoio domiciliário. Além do mais, se de facto a questão for que ainda há uma proporção significativa da população com necessidades não identificadas e não satisfeitas, então à medida que o apoio domiciliário aumentar e for chegando a mais pessoas, é possível que o impacto médio na saúde do cuidador se torne positivo.

A versão “documento de trabalho” deste estudo, com todos os resultados e todas as referências à literatura prévia, estará brevemente disponível na minha página pessoal: https://juditegoncalves.wixsite.com/website

Judite Gonçalves

(A coluna Notas da Nova é uma contribuição para a reflexão na área da saúde, pelos membros do centro de investigação Nova Health Economics and Management Knowledge Center. São artigos de opinião da inteira responsabilidade dos autores)

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