Se ainda não se apercebeu, permita-me ser portador da notícia: estamos em Agosto e, por incrível que pareça, a maioria das empresas já decidiu se quer continuar a trabalhar consigo no próximo ano ou, pelo contrário, se o seu futuro passa por outros caminhos – preferencialmente longe dali. Sim, enquanto ainda se sente o cheiro a protetor solar e o som do mar é a banda sonora oficial, nas salas climatizadas e quase vazias já se discutiram os planos para o fecho do ano e se antecipou o brilho ou o fiasco de 2026.
Aliás, Agosto é aquele curioso mês em que, para as empresas, tudo acontece sem que aconteça rigorosamente nada. Já não se lançam grandes produtos (porque “ninguém compra medicamentos em Agosto, exceto repelentes no caso de ir para a Comporta e Gurosan para o pós-noitadas algarvias”) e a produtividade cai em níveis diretamente proporcionais ao consumo de bolas de Berlim na praia. Mas, ironicamente, é precisamente agora que, nas entranhas organizacionais, os dados estão lançados e as cartas distribuídas. O fim de ano já se joga hoje, e para alguns, a roleta já parou.
Se trabalha no setor farmacêutico, então sabe bem que, por esta altura, já começaram os murmúrios de corredor. Aquele projeto que lhe prometeram, a promoção que esperava, ou a simples continuidade do seu contrato: tudo já pode estar decidido, embora ninguém tenha tido ainda a coragem de lhe o comunicar. Agosto é assim: um limbo cruel onde tudo já está feito, mas nada ainda foi revelado.
Claro, esta decisão antecipada das empresas também tem o seu lado curioso. Quem nunca ouviu o clássico discurso pré-férias, quando se diz algo como: “Agora aproveita bem para descansar, porque setembro vai ser duro”? Na realidade, o que se quer dizer é: “Descansa agora porque, em setembro, vamos finalmente dizer-te o que já decidimos em julho – e acredita, podes não gostar.”
Mas, se pensa que só as empresas têm esta capacidade premonitória, desengane-se. Agosto é também o mês em que o colaborador, aquele ser mítico e misterioso que preenche relatórios e diz que “adora desafios”, já decidiu secretamente o seu futuro. Se faz parte desta espécie, provavelmente já dedicou algumas horas das suas férias à reflexão existencial. Talvez até já tenha atualizado discretamente o seu LinkedIn, clicado em algumas ofertas ou, quem sabe, tido uma conversa com um headhunter enquanto bebia um cocktail junto à piscina.
Há colaboradores que chegam ao ponto de saber perfeitamente que não querem continuar na empresa, mas que estrategicamente mantêm essa informação no segredo dos deuses até outubro, novembro ou até mesmo dezembro – tudo depende do prémio anual, daquele bónus natalício ou do timing em que aparece um novo desafio.
E há os colaboradores que, já tendo decidido ficar, desenvolvem subitamente uma notável habilidade teatral, encenando pequenas dúvidas existenciais, com desabafos casuais à mesa do café da empresa, só para aumentar o suspense e garantir um ligeiro nervosismo nas chefias, talvez para assegurar uma melhor revisão salarial. Tudo isto, claro, com a subtileza de quem pergunta inocentemente: “E então, já sabes se vamos ter um bom budget para aumentos em 2026?”
Mas é precisamente este jogo de antecipações e decisões silenciosas que torna Agosto um mês deliciosamente paradoxal. É um mês em que o escritório está praticamente vazio, mas fervilha de intenções ocultas; em que todos dizem estar “completamente desligados”, mas, no fundo, estão mais ligados do que nunca, especialmente ao LinkedIn; em que todos afirmam que não sabem como vai ser o ano seguinte, mas já sabem exatamente o que querem e o que não querem.
Entretanto, as empresas continuam a sua dança anual, entre o otimismo estratégico e o fatalismo corporativo, com análises SWOT que garantem ter identificado tudo, mas que misteriosamente esquecem frequentemente o fator humano, aquela variável incómoda que tende a estragar planos perfeitos desenhados em Excel.
Ao chegarmos a setembro, lá virão as reuniões, os discursos motivacionais e os anúncios oficiais. E, enquanto as direções de Recursos Humanos vão proclamando que “o colaborador é a nossa maior riqueza”, em simultâneo preparam pacotes de saída para alguns, planos de retenção para outros e, claro, aguardam com ansiedade a reação dos tais colaboradores que, ironicamente, também já têm tudo decidido. Talvez a verdadeira riqueza não seja o colaborador em si, mas sim o desconhecimento consciente sobre as decisões do colaborador.
Neste jogo corporativo de antecipação, o mais sábio talvez seja aproveitar o mês de agosto tal como ele é: um mês de pausa aparente, onde a decisão está tomada, mas a ilusão ainda permanece. Porque, no fundo, o que seriam as empresas sem esta saudável dose de ironia, sem esta teatralidade anual que nos lembra sempre que, no nosso setor, tal como em muitas indústrias, as decisões mais importantes já foram tomadas há muito tempo?
Portanto, se ainda está a desfrutar das suas férias, não se preocupe demasiado: é provável que já tenham decidido por si. Aproveite a praia, o sol e os cocktails porque, daqui a algumas semanas, as decisões tomadas em Junho e Julho finalmente chegarão ao seu email, devidamente identificadas como “planos estratégicos” para 2026. Afinal, nada como o calor de agosto para antecipar friamente o que aí vem.
Mas vejamos o lado positivo desta ironia corporativa: nunca foi tão promissor trabalhar no setor farmacêutico. As empresas finalmente entenderam que colaboradores satisfeitos são o melhor antídoto contra o fracasso estratégico. De repente, “formação” já não é apenas sinónimo de webinars aborrecidos, mas de programas reais e eficazes que transformam colaboradores desmotivados em verdadeiros embaixadores da empresa. Imagine isto: pela primeira vez, a sua opinião poderá mesmo interessar!
Ironicamente, esta mudança estratégica levou as empresas a perceberem que perder talentos pode ser ainda pior do que perder vendas. Por isso, investir nas pessoas passou de luxo a necessidade absoluta. Programas de desenvolvimento profissional, planos reais de carreira e até pequenos mimos inesperados tornaram-se comuns, tudo para garantir que o colaborador se mantenha feliz e produtivo (uma combinação que, até há pouco, parecia improvável).
Do ponto de vista do colaborador, esta nova realidade é igualmente otimista. Aqueles que já decidiram ficar percebem agora que, afinal, fizeram uma escolha acertada. As pequenas encenações de dúvidas existenciais e os murmúrios subtis de insatisfação deram frutos: afinal, talvez aquele aumento salarial generoso não fosse assim tão impossível como parecia em julho.
E para os que já decidiram sair, há também boas notícias: nunca o mercado farmacêutico esteve tão sedento de talentos. Empresas concorrentes estão dispostas a oferecer condições surpreendentemente vantajosas, numa ironia perfeita onde o medo inicial da mudança se transforma numa inesperada e gratificante oportunidade profissional.
Agosto, portanto, deixa de ser apenas um mês de decisões ocultas e passa a ser também o mês em que, silenciosamente, se semeiam as sementes do sucesso pessoal e corporativo. Sim, o escritório pode estar vazio, mas nunca esteve tão cheio de possibilidades otimistas.
No fundo, talvez seja esta a grande ironia do mês de agosto: é precisamente neste aparente marasmo que o futuro ganha contornos mais claros. Empresas e colaboradores, cada um à sua maneira, descobrem que o jogo estratégico pode mesmo ter vencedores mútuos. Afinal, nada melhor do que um agosto bem passado para preparar uma rentrée cheia de boas surpresas.
Nota: Dicionário de ironia
1: Obviamente que em agosto se vendem mais especialidades farmacêuticas além de repelentes de mosquitos e de Gurosan; 2: Na realidade, nem todos comem bolas de Berlim na praia; alguns preferem gelados ou saladas; 3: É evidente que há empresas que comunicam decisões de forma clara e atempada (mesmo que sejam raras); 4: Sim, já houve épocas em que colaboradores satisfeitos eram considerados um luxo dispensável; 5:Nem todas as formações online são aborrecidas, embora muitas se esforcem para parecer que são; 6: Obviamente, o investimento em pessoas deveria sempre ter sido uma prioridade absoluta; 7: Nem sempre todos ganham neste jogo estratégico, mas podemos sonhar.
João Carlos Serra Commercial Operations Director & Senior Healthcare Consultant HCO, Industry Investors and Pharma




