
Faz exatamente um ano que concluí a pós-graduação em IT Management na Porto Business School, tendo integrado um grupo de trabalho que estudou o impacto da inteligência artificial no setor da distribuição farmacêutica em Portugal. Volvido este tempo, e com uma perspetiva mais amadurecida, é evidente que esta reflexão continua a ser não apenas atual, mas essencial — não só para os profissionais de tecnologias de informação, como para todos os decisores no setor da saúde.
Num país com cerca de 3.000 farmácias e um mercado que depende de uma operação logística de elevada fiabilidade, a distribuição farmacêutica representa um pilar invisível, mas absolutamente vital do nosso sistema de saúde. Estamos a falar de mais de 2.000 colaboradores, cerca de 23.000 referências de produtos e uma frota superior a 600 viaturas, que percorre anualmente aproximadamente 50 milhões de quilómetros para garantir que os medicamentos certos chegam aos locais certos, no momento certo. Neste contexto, a transformação digital deixou de ser uma opção: tornou-se uma necessidade operacional, económica e estratégica.
O estudo que desenvolvemos identificou diversas áreas críticas com elevado potencial de transformação. Na gestão de stocks, algoritmos preditivos permitem ajustar os níveis de inventário com base na sazonalidade, no histórico de vendas e em fatores externos, como surtos epidemiológicos. Considerando a existência de múltiplos armazéns e milhares de referências, com prazos de validade distintos, prever a rotação de cada produto em cada local é uma questão, não só de eficiência, mas também de segurança.
Na otimização de rotas, sistemas inteligentes ajustam os percursos em tempo real, tendo em conta o volume de encomendas, o tráfego e as janelas de entrega. Isto traduz-se em ganhos operacionais significativos, mas também em benefícios ambientais, contribuindo para os objetivos de descarbonização do setor.
Nos contact centers, assistentes virtuais podem apoiar os operadores no registo de encomendas e na gestão de reclamações. Em áreas de suporte, como a gestão de talento ou o controlo de gestão, a inteligência artificial está já a ser utilizada para automatizar tarefas repetitivas, apoiar auditorias, detetar anomalias ou adaptar programas de formação.
Existe um denominador comum a todos estes casos: os dados. Os dados são o novo petróleo — não pelo seu valor intrínseco, mas porque, tal como o petróleo, necessitam de ser refinados. A estrutura, qualidade, acessibilidade e gestão dos dados são a base de qualquer iniciativa digital. Sem dados fiáveis, nenhuma automação, previsão ou recomendação gera valor real.
A transformação digital começa nos alicerces: integração de sistemas, interoperabilidade, segurança e, sobretudo, uma cultura organizacional orientada para a tomada de decisão baseada em dados. O digital não deve ser encarado como um conjunto de projetos tecnológicos isolados, mas como parte integrante do modelo de negócio.
Durante demasiado tempo, assistimos a projetos de IT que se prolongavam sem retorno tangível, perpetuando a perceção de que a tecnologia representa apenas um custo inevitável. No entanto, quando os dados informam decisões, quando os algoritmos antecipam problemas e quando os sistemas elevam a qualidade do serviço ao cliente, o IT assume-se como um verdadeiro motor de crescimento.
Como referem Craig Mundie, Eric Schmidt e Henry Kissinger no livro Genesis: Artificial Intelligence, Hope and the Human Spirit, a IA está a reconfigurar a forma como pensamos, criamos e decidimos. No setor da distribuição farmacêutica, essa reconfiguração pode traduzir-se em menos ruturas, maior previsibilidade, mais eficiência e maior proximidade com os clientes, parceiros e utentes.
É evidente que existem desafios: a escassez de talento especializado, a dificuldade em quantificar o retorno do investimento e o receio de apostar em tecnologias cujo impacto ainda se revela incerto. Contudo, o maior risco não é não fazer nada — é avançar sem uma estratégia clara, sem uma base de dados sólida, sem retorno de investimento definido ou sem saber por onde começar. A inovação exige visão, liderança e, sobretudo, preparação.
Transformar é mais do que apenas digitalizar. É repensar e redesenhar modelos operacionais, que se querem mais resilientes, mais sustentáveis e mais centrados no cliente — e é precisamente isso que pode fazer toda a diferença.
Helena Peixoto
Diretora de Sistemas de Informação da plural+udifar




