A (nova) Estratégia Europeia para as Ciências da Vida, um imperativo estratégico 1518

Num momento em que a União Europeia procura afirmar a sua autonomia estratégica e reforçar o seu papel no mundo, a competitividade emerge como prioridade transversal para o próximo ciclo político. A Agenda Estratégica 2024-2029 do Conselho Europeu define como essencial “uma Europa próspera e competitiva”, capaz de promover inovação, garantir crescimento económico sustentável e criar empregos de qualidade. É assim que “competitividade” e “soberania europeia” se tornaram palavras que ecoam diariamente em Bruxelas.

Este impulso foi reforçado pelo aguardado Relatório de Mario Draghi sobre o Futuro da Competitividade Europeia. Draghi identifica a saúde como um dos domínios estruturais onde a Europa deve investir de forma coordenada, defendendo uma abordagem mais ambiciosa e integrada para garantir acesso equitativo à inovação terapêutica, estimular a investigação biomédica e consolidar cadeias de valor estratégicas no espaço europeu. O relatório recomenda ainda uma maior cooperação entre Estados-Membros na formação de profissionais de saúde e no desenvolvimento de capacidades industriais em áreas como a biotecnologia e os medicamentos inovadores.

As prioridades políticas da Comissão Europeia para 2024-2029, liderada por Ursula von der Leyen, refletem esta visão. O novo programa de trabalho destaca a necessidade de acelerar a transição digital e tecnológica, dinamizar o mercado interno e consolidar cadeias de valor críticas, como as da biotecnologia, do fabrico farmacêutico e da inteligência artificial aplicada à saúde.

Este enquadramento estratégico ganha forma concreta com a apresentação do “Competitiveness of the European Economy: a Compass for the Future”, um instrumento orientador que estabelece métricas concretas e prioridades de ação de todas as áreas sectoriais, entre as quais se destacam o investimento em investigação e inovação, a atração de talento e o reforço da capacidade industrial europeia. O setor da saúde — e, em particular, Life Sciences  — ocupa aqui um papel central, não apenas como motor económico, mas também como garante da resiliência e soberania sanitária europeia.

É neste contexto que surge a Estratégia Europeia para as Life Sciences, colocada em consulta pública em março de 2025. O seu objetivo é claro: tornar a Europa um líder global em inovação biomédica, assegurando simultaneamente o acesso a terapias inovadoras e o desenvolvimento das competências necessárias para a transformação digital e tecnológica do setor.

É neste quadro político e estratégico que a Associação Portuguesa de Jovens Farmacêuticos (APJF) se posiciona e contribui, com responsabilidade, para a construção de políticas públicas europeias mais ambiciosas, sustentáveis e inovadoras. Representando centenas de jovens profissionais em início de carreira, a APJF apresentou uma resposta à consulta pública da Estratégia para as Ciências da Vida, assente em cinco prioridades:

 

  1. Desenvolvimento de Clusters de Inovação e Investigação Transnacional

Propomos a criação e consolidação de clusters de excelência que integrem universidades, centros de investigação, indústria farmacêutica e profissionais de saúde, promovendo a colaboração entre Estados-Membros e posicionando a Europa na vanguarda da inovação.

 

  1. Financiamento para Doutoramentos em Ambientes Não-Académicos

Defendemos linhas de financiamento específicas para doutoramentos realizados em contextos industriais, regulatórios e institucionais, permitindo a formação de profissionais altamente qualificados, alinhados com as necessidades reais do mercado e dos diferentes sectores.

 

  1. Revisão da Diretiva das Qualificações Profissionais com Foco nas Ciências da Vida

Apesar da revisão recente, consideramos que, face à Estratégia das Life Sciences, ao Biotech Act e à transição digital e tecnológica, é necessário rever novamente os currículos, nomeadamente dos profissionais de saúde como os farmacêuticos, para que estes possam responder com eficácia às novas exigências científicas, tecnológicas e éticas.

 

  1. Estratégias de Retenção de Talento Jovem na Europa

É urgente promover condições profissionais e fiscais atrativas que valorizem os jovens altamente qualificados, evitando a sua migração para fora da UE. Reforçar a mobilidade intraeuropeia, criar percursos de carreira valorizados e garantir estabilidade são medidas essenciais para preservar o capital humano europeu.

 

  1. Literacia Digital e Integração Ética da Inteligência Artificial

A concretização do Espaço Europeu de Dados de Saúde (EHDS) e a adoção da IA na prática clínica e na investigação requerem profissionais com competências digitais, capacidade crítica e formação ética. A APJF defende políticas de capacitação digital para todos os profissionais de saúde, com especial enfoque nos mais jovens.

 

A nova Estratégia para as Ciências da Vida representa mais do que uma oportunidade política: é um imperativo estratégico. A Europa só será verdadeiramente competitiva se for capaz de integrar o conhecimento científico, o talento jovem e a inovação responsável. A APJF reafirma o seu compromisso com este projeto europeu, dando voz a uma geração que não só quer contribuir para o futuro da saúde, como também fazer parte ativa da sua construção.

 

Duarte Pinto

Vogal da Direção da Associação Portuguesa de Jovens Farmacêuticos (APJF)