A Indústria Farmacêutica nos programas de Saúde – a visão de um farmacêutico 1106

A Indústria Farmacêutica nacional é essencial no sistema de saúde, na economia e na autonomia estratégica do país. Se o próximo programa de saúde incluísse uma visão técnica farmacêutica, robusta e prospetiva, resultaria num sector, e os seus profissionais, valorizados como elementos estruturantes da política pública de saúde.

Um programa de saúde adaptado aos desafios atuais incluiria certamente:

 

Aposta na Produção Farmacêutica Nacional

Definição de políticas que incentivem o investimento em infraestruturas farmacêuticas em território nacional, com o objetivo de reduzir a dependência externa e aumentar a resiliência do sistema de saúde. Este esforço deve abranger as diferentes áreas: fabrico de substâncias ativas farmacêuticas, fabrico de medicamentos, incluindo medicamentos experimentais.

 

Incentivos à Investigação e Inovação

Fomentar e dinamizar a investigação de base como elemento-chave no crescimento e robustecimento de áreas emergentes.

Apoiar e facilitar a adoção das tecnologias inovadoras como impulsionadoras da modernização dos processos, essenciais à competitividade internacional e à garantia da qualidade dos medicamentos. Este apoio passaria também por reduzir as barreiras burocráticas à sua implementação, diminuindo constrangimentos e a necessidade de investimentos sem valor acrescentado.

 

Valorização da Especialização Profissional

Investir na certificação técnica dos profissionais de saúde, garantindo alinhamento com as normas regulamentares em vigor na Europa e respetivos acordos de reconhecimento mútuo, e com as expectativas das autoridades. A promoção de especializações reconhecidas, como a de Indústria Farmacêutica, é essencial para assegurar competências avançadas em áreas críticas. O país deve reconhecer e valorizar os especialistas como peças-chave na qualidade dos processos, em particular na atividade de certificação de lote dos medicamentos colocados no mercado ou usados em ambiente de investigação clínica.

 

Estímulo a Práticas de Sustentabilidade Industrial

Implementar mecanismos fiscais diferenciados, como a redução de IRC ou majorações em apoios ao investimento, para empresas farmacêuticas que demonstrem progressos efetivos em sustentabilidade ambiental, nomeadamente na redução de emissões, o uso de técnicas ou solventes alternativos, a gestão eficiente de resíduos e a adoção de energias renováveis.

 

Integração da Indústria Farmacêutica nas Políticas Públicas de Saúde

A indústria farmacêutica é um parceiro estratégico do Estado, com participação ativa na definição de políticas públicas, especialmente em áreas como inovação, economia do medicamento, e sustentabilidade do sistema de saúde. Para que essa participação seja efetiva não só as associações do sector, mas também as Ordens Profissionais, devem ter assento nos grupos de trabalho técnicos, relativos ao desenvolvimento, fabrico, controlo ou acesso ao medicamento.

 

Reforço da Função Reguladora das Ordens Profissionais

As ordens profissionais têm a missão de regulamentar a atividade profissional, em articulação com as autoridades de saúde. O seu reforço institucional é essencial para proteger a saúde pública. Estruturas independentes, sólidas e tecnicamente credíveis, das ordens, e dos seus colégios de especialidade, asseguram que os atos de saúde, incluindo os praticados na indústria, sejam executados por profissionais qualificados, e devidamente diferenciados.

 

Promoção dos Ensaios Clínicos em Portugal

Portugal deve promover políticas e criar um ambiente atrativo à realização de ensaios clínicos, contribuindo para o acesso precoce a terapias inovadoras, o avanço da investigação científica nacional e a valorização dos profissionais de saúde. Necessita-se, para tal:

  • De uma melhor articulação entre centros hospitalares, instituições de I&D e indústria farmacêutica;
  • De uma desburocratização e digitalização dos processos de submissão, avaliação e aprovação de ensaios;
  • Da criação de incentivos fiscais ou financeiros afetos à realização de ensaios clínicos.

 

Conclusão

O programa de um governo, com representação de um farmacêutico de indústria colocaria o doente no centro, com a indústria farmacêutica num lugar de relevo, contribuindo para uma agenda política para a saúde mais sustentada, assente em inovação, qualificação, especialização e sustentabilidade.

O futuro do nosso sistema de saúde passa, necessariamente também por uma indústria farmacêutica nacional forte, ética e tecnicamente robusta.

José Vera-Cruz

Presidente do Conselho do Colégio de Especialidade em Indústria Farmacêutica da Ordem dos Farmacêuticos