“1 em cada 10 pessoas não consegue comprar os medicamentos comparticipados que lhe são prescritos” 560

A Associação Dignitude celebrou o seu 10.º aniversário, promovendo a Conferência 10 anos da Associação Dignitude, no dia 4 de novembro. “Ficou claro com este evento o caminho longo que o empreendedorismo social ainda tem de percorrer, não só ao nível da profissionalização e capacitação dos profissionais, mas também na desconstrução de tabus, nomeadamente quando abordamos a questão da sustentabilidade financeira, tão importante para levar a economia social avante”, sublinhou Maria João Toscano, diretora executiva da Associação Dignitude.

“Ficou também muito claro o contributo fundamental da Dignitude, através do Programa abem:, no apoio aos mais carenciados, devolvendo-lhes saúde, dignidade e humanidade, bem como a importância de dar continuidade a este projeto e investir em novas formas de inovação social que ajudem a sociedade a evoluir de forma mais justa”, acrescentou a responsável.

Em entrevista ao NETFARMA, Maria João Toscano fala do percurso, dos desafios e dos projetos que moldarão o futuro da associação que conta com mais de 42 mil beneficiários apoiados, afirmando-se como uma referência nacional na promoção da dignidade humana.

– Como descreve o percurso da Associação Dignitude desde a sua fundação?
– Desde a sua fundação, a Associação Dignitude tem seguido um percurso de forte compromisso social e inovação. Nasceu com um propósito claro: o desenvolvimento de programas solidários de grande impacto social, que promovam a qualidade de vida e o bem-estar dos portugueses.  O percurso da Associação Dignitude ao longo destes dez anos fica marcado por uma dedicação firme à promoção da dignidade humana, ao direito à saúde e à construção de uma sociedade mais equitativa, solidária e inclusiva.  A nossa história demonstra o poder transformador da colaboração entre o setor social e o setor da saúde, permitindo que a Dignitude se afirme hoje como uma referência nacional na promoção do acesso equitativo aos cuidados de saúde.

O nascimento do Programa abem: Rede Solidária do Medicamento, em 2016, foi um marco na resposta aos problemas de acesso ao medicamento a quem dele realmente precisa, com um percurso pautado por resultados concretos e impacto real na vida de milhares de pessoas: mais de 42 mil beneficiários apoiados, integrando mais de 24 mil famílias com acesso digno e continuado a medicamentos essenciais; mais de 3,3 milhões de embalagens de medicamentos dispensadas, mais de 1200 farmácias parceiras e 199 entidades referenciadoras em 175 concelhos de todo o país, incluindo regiões autónomas da Madeira e dos Açores. Um programa que promove a coesão territorial, assente na justiça social.

– Qual foi a motivação para criar o Programa abem: Rede Solidária do Medicamento?
– A motivação para criar o Programa abem: Rede Solidária do Medicamento surgiu da identificação de uma realidade invisível, mas persistente em Portugal: 1 em cada 10 pessoas não consegue comprar os medicamentos comparticipados que lhe são prescritos porque não os conseguem pagar. Perante dificuldades económicas, eram obrigadas a escolher entre comprar alimentos, pagar contas ou adquirir os medicamentos prescritos de que precisavam para tratar a sua saúde. Esta situação era incompatível com a dignidade humana e contrariava o direito ao acesso à saúde. O abem: surge, por isso, com uma missão clara: garantir que todos os cidadãos têm acesso aos medicamentos de que precisam, co comparticipando a medicação prescrita a pessoas que de outra forma não teriam possibilidade para a adquirir. Só com saúde podemos conseguir contribuir de forma ativa para o desenvolvimento da nossa sociedade, ambicionar ter qualidade de vida e cuidar de nós e dos que nos são próximos. Foi essa a motivação que nos levou a criar este programa, cujo sucesso é baseado numa rede colaborativa que protege a dignidade de quem se encontra em maior fragilidade e que garante que, mesmo nos momentos mais desafiantes, a resposta certa chega, no tempo certo, a quem mais precisa.

O programa nasce, assim, de uma convicção simples: a saúde não pode ser um privilégio — tem de ser um direito efetivo para todos.

– Esperavam, no início, que ao fim de dez anos mais de 42 mil pessoas fossem apoiadas e 3,3 milhões de embalagens tivessem sido dispensadas? 
– Quando iniciámos o Programa abem:, sabíamos que estávamos a responder a um problema social grave, mas não imaginávamos que o impacto pudesse ser tão expressivo: mais de 42 mil pessoas apoiadas e 3,3 milhões de embalagens de medicamentos dispensadas. Os 42 mil beneficiários que já ajudámos não são apenas números: são histórias de famílias que vivem com um rendimento per capita muito baixo e que se não fosse este programa não teriam capacidade de tomar a medicação de que precisam diariamente e fazer face a todas as outras despesas essenciais, como a alimentação. Infelizmente, os dados nacionais mostram que 1 em cada 10 portugueses não adquire os medicamentos por motivos financeiros, o que prova que este não é um trabalho concluído e que só com o apoio de todos – parceiros, farmácias, associados, doadores, investidores sociais, da Portugal Inovação Social, e da equipa da própria Dignitude – poderemos pretender apoiar cada vez mais pessoas.

– O que representa para vós a poupança de 29 milhões de euros para o SNS?
– Estes resultados evidenciam que a intervenção da Associação Dignitude representa não apenas um investimento social, mas também um contributo relevante para a sustentabilidade do Serviço Nacional de Saúde. Os dados demonstram que, anualmente, por cada milhão de euros investidos no abem:, se gera uma poupança potencial de 5,4 milhões de euros para o SNS, decorrente da redução de episódios de urgência e de internamentos evitáveis. Estes números traduzem, de forma clara, que investir no acesso equitativo ao medicamento é investir na saúde dos nossos beneficiários, mas é também investir em eficiência do sistema e, acima de tudo, na dignidade das pessoas.

– Quais foram os maiores obstáculos e desafios enfrentados ao longo desta década?
– Ao longo desta década, enfrentámos desafios muito significativos, que foram determinantes para o crescimento e consolidação do Programa abem:. O primeiro obstáculo foi dar visibilidade a uma realidade silenciosa: a existência de milhares de pessoas que não conseguem comprar os medicamentos de que precisam por falta de recursos. Sensibilizar a sociedade e mobilizar parceiros exigiu persistência e consistência.

Outro desafio central foi o da sustentabilidade financeira. Quando o número de beneficiários aumentou de forma muito rápida tornou-se extremamente difícil prever consumos e estimar com rigor os donativos necessários para garantir continuidade no apoio. Este crescimento acelerado exigiu capacidade de gestão e de planeamento financeiro, num contexto em que falar de sustentabilidade no setor social ainda é, muitas vezes, um tabu.

A pandemia de COVID-19 representou outro momento crítico. Até então, o nosso trabalho assentava em reuniões presenciais com parceiros, farmácias e entidades referenciadoras; de um dia para o outro tivemos de reformular completamente a forma de trabalhar, digitalizar processos e garantir que, mesmo num cenário de confinamento, o apoio chegava às pessoas.

Também a limitação de recursos humanos foi, durante muito tempo, um desafio diário. Éramos uma equipa muito pequena para estar simultaneamente no terreno, gerir parcerias, candidatar-nos a fundos comunitários, preparar campanhas e assegurar o funcionamento operacional do programa. O entusiasmo e a dedicação superaram muitas vezes aquilo que seriam as capacidades reais de uma estrutura tão reduzida.

Superar todos estes desafios foi fundamental para chegarmos onde estamos hoje: com um programa sólido, sustentável, de alcance nacional e que transforma vidas, devolvendo saúde, dignidade e igualdade de oportunidades a quem mais precisa.

– Em termos de futuro, quais são os projetos da associação?
– Para o futuro, a Associação Dignitude está focada em garantir a continuidade do seu trabalho e do Programa abem:. O programa é apoiado desde 2018 pela Portugal Inovação Social e pelos nossos investidores sociais e a este apoio acrescem todos os parceiros corporativos que nos apoiam, bem como as doações de todos os cidadãos que veem neste programa uma forma de ajuda efetiva a quem mais precisa.

Contudo, para irmos mais longe e respondermos ao crescente número de pedidos de apoio, é essencial preparar os próximos 10 anos. É nesse contexto que surge a DIGNITUDE MAIS, um projeto que reforça a sustentabilidade da Dignitude e reforça o alcance da sua missão. Este será um caminho longo, mas importante para empoderar cada vez mais projetos de empreendedorismo e inovação social e para garantir que a Dignitude consegue manter a sua atividade de forma autossustentável e assim apoiar cada vez mais pessoas.

No curto prazo, continuamos focados em ajudar cada vez mais pessoas através do Programa abem:. Para isso, a partir do dia 15 de dezembro e até dia 26 desse mês teremos a Campanha Dê Troco a Quem Precisa a decorrer em mais de 500 farmácias de todo o país, na qual convidados todos a doarem o troco das suas compras para ajudar quem mais precisa na aquisição dos seus medicamentos. Recordo que durante todo o ano qualquer pessoa pode apoiar o Programa abem:, por MB WAY (932 440 068) ou transferência bancária (PT50 0036 0000 9910 5914 8992 7).